quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Beija-flor

Por que olhou prá mim, passarinho?
Não sabia que, na sua dança, poderia me machucar?
"Desculpa, querida, não pude evitar.
Porque é da minha natureza escolher, e da sua, aceitar."
E por que se exibiu, amiguinho?
Não previu que ía me encantar?
"Desculpa, minha linda, não soube me afastar.
Porque é da minha natureza pairar, e da sua, ansiar."
Por que bebeu do meu néctar, beija-flor?
Quem disse que eu queria participar?
"Desculpa, coração, a você, não pude ignorar.
Porque é da minha natureza tomar, e da sua, se doar."
E por que fica tão pouco, meu amor?
Não sabe a saudade que me dá?
"Desculpa, paixão, nunca vou me demorar.
Porque é da minha natureza desaparecer, e da sua, ficar."
E por que volta, depois de tantas outras provar?
Não sabe a dor que o ciúmes pode me causar?
"Também contra isso não posso lutar.
Porque é da minha natureza buscar, e da sua, não me negar."
E por que não me vigia, bebê?
Não sabe que outros vêm me procurar?
"Essa necessidade, não tenho. Porque é da minha natureza dividir, e da sua, se enciumar."
E se um dia isso tudo acabar?
"A isso, não posso responder. Porque é da minha natureza trabalhar, e da sua, se encantar."
E por que não pode me amar?
"Porque não sei fingir. É da minha natureza me equilibrar, e da sua, balançar.
Desculpa se a magoei, linda flor.
Não era minha intenção fazer você se apegar.
Mas é da minha natureza obedecer, e, da sua, questionar."

Valquíria

Valquíria chegou correndo em casa, após 12 horas de plantão, e ficou em dúvida: o que fazer? Tomar banho? Comer? Se jogar no sofá e colocar os pés prá cima? A última opção seria a mais condizente, com certeza... Tinha cuidado de um paciente de 36 anos que infartara por uso de cocaína. Por um lado, se perguntou quão viciado ele seria, se tanto empenho em salvar sua vida não seria desperdiçado numa próxima epistaxis (hemorragia nasal) ou overdose. Por outro, sabia que não cabia a ela julgar, e não se conformaria em perder um paciente tão novo para um infarto! Deu certo. Estava vivo e estável, quando ela passou o plantão para o colega.
Decidiu dar comida para o gato. Entrou no banho. Enquanto lavava o cabelo, pensou no que vestir. Tinha combinado de ir a uma festa da família do namorado, e depois ele viria dormir no apartamento dela.
Não gostava da talvez futura sogra. No último almoço em que estiveram juntas, ela perguntou, bem alto, para todos ouvirem: "E aí, Valquíria, está com enxoval pronto?" Risos. "Não, minha senhora"- respondeu - "Estou com apartamento montado. Só falta homem que preste!" Ninguém riu. "Lá sou mulher de enxoval?" - pensou. Imaginou a mãe, feminista de carteirinha, revirando no túmulo com tal ideia.
Em outra festa, um colega do trabalho dele perguntou: "E aí, quando sai o casamento?" "Não coloca ideias na cabeça dela!" - foi a resposta. Risadas. Valquíria se ofendeu. Por que ela teria "ideias"? Quem vivia dizendo que não via a hora de se casar, para deixar de jantar sanduíches era ele! Como se a necessidade nutricional do ser humano mudasse ao mudar o estado civil... E se a intenção não era o casamento, prá que chamar de namoro, apresentar prá família, ficar fazendo planos para futuro, escolher nome de filhos? Inspecionou a perna. Os pelos não estavam longos o suficiente para ir à depilação, mas com certeza a impediriam de usar vestido. Suspirou, aborrecida. Queria usar vestido.
Colocou um roupão, comeu uma fruta para não perder o apetite, mas não ficar verde antes do jantar, se vestiu e estava se maquiando quando precebeu uma mancha de bolor no azulejo, dentro do box. Xingou mentalmente a faxineira. Estaria muito cansada para se importar, num dia normal, mas receberia o namorado em casa, que sacanagem! Parou tudo o que estava fazendo, pegou um papel toalha, um pouco de sapólio cremoso e... ficou paralisada!
Pensou em quantas vezes foi ao apartamento dele e econtrou louça de dois dias na pia. Quantas vezes teve que ir ao supermercado comprar produtos de limpeza para dar uma limpadinha básica lá, porque aparentemente ele se importava em se vestir bem, ter o celular mais moderno, mas não em morar numa pocilga. E em quantas vezes ele chegou tão bêbado de uma festa, que nem escovou o dente! Pegou o telefone.
- Alô. Pedro? Não vou. Estou muito cansada. E amanhã teremos uma longa conversa...

Dia-a-dia

Eu quero dias que comecem às 5:30 h e terminem às 22 h, e nunca sejam iguais uns aos outros.
Quero risos de crianças, brigas para apartar e unhas para cortar.
Roupas prá costurar, um gato que me faça tropeçar de madrugada, uma mãe para quem ligar.
Amigos de infância, amigos de longe, amigos virtuais, colegas de trabalho, pacientes, conhecidos.
Quero banhos prolongados, ter que domar meu cabelo, pintar os olhos e a boca.
Salada de rúcula com alface, para poder ter leite condensado e Nutella no fim de semana.
Que de vez em quando a maldade esbarre em mim, tente me seduzir, só para me ensinar a ficar esperta, lembrar que ela existe.
E que sempre exista gente boa para me orientar: "presta atenção..."
Que eu sempre tenha para quem falar "vamos ver como evolui", "o pior já foi", "tem que parar de fumar", mas que, principalmente, saibam que eu me importo.
Que o salário pingue, e que as contas sejam pagas em dia.
Que haja música! No caminho para a escola, na ida e volta do trabalho, na hora de acordar.
Livros, filmes, facebook, sonhos, abraços, elogios.
Esmalte de unha, tintura para cabelo, Asti, shopping center.
Eu quero um amor platônico, que, não importa se deixe de ser ou não, me dê gelinho na barriga e me faça sorrir.
Que pessoas mudem de humor, prá melhor, ao lembrar de mim, ou ao receber meu telefonema...
Que eu sempre tenha fé.
Que nada seja em vão, vulgar ou mundano.
Que as bençãos materiais cheguem, e sejam passadas adiante, mas, principalmente, que a boa energia e o amor fluam em todas as direções.
Não, espera...

Quando eu amei de verdade

Quando eu amei de verdade
Surpreendi a mim mesma
Porque acreditei igual criança
Quando lê contos de fadas
Que ía durar prá sempre
Que íamos envelhecer juntos
Que éramos diferentes e melhores que os outros casais
Justo eu, que nem em casamento acreditava...
Não fui surpreendida pelas dificuldades
Ao contrário, me surpreenderam os benefícios
E fui fazendo parte do time
Com tudo o que isso implicou
Em todos os desafios, alegrias e escolhas
Casamentos, batismos, velórios e aeroportos
Salas de espera de hospital, hotéis e caminhões de mudança
Escolas, festas, jantares, férias, Natais e Anos Novos
Lagrimas, saudades e comemorações
Me senti cuidada e amparada
Me devotei ao objeto do meu amor
Dei e recebi atenção e carinho
E nunca imaginei que deixaria de amar
Quando amei de verdade
Construí lar e constituí família
E o amor se multiplicou em outros amores
E só por isso, eu faria tudo de novo
E pagaria o mesmo preço
Também as lembranças hão de ser melhores
Quando deixarem de machucar
Quando eu amei de verdade
Tudo foi real e palpável
Sólido e de boa vontade
Espontâneo e intencional, da minha parte
Me dediquei no máximo da minha capacidade
E durmo tranquila com essa certeza no coração
E não poderia ter sido de outra maneira
Porque eu não vivo nada pela metade
E acreditar faz parte de viver plenamente
Desistir quando não se acredita mais
Faz parte de ser verdadeira consigo mesma
Por isso, teve fim
Apesar de eu ter amado de verdade

Mesa de Mármore

Os iranianos (que eu conheço) celebram quando algo material se quebra espontaneamente. Batem palmas, mesmo! Eles uma vez me disseram que acreditavam que era uma maldade que estava dirigida para um ser humano que morava na casa, que os anjos desviaram para o objeto que se quebrou.
Roda entre os judeus (que eu conheço) a seguinte pergunta, que ajuda a pessoa a ter uma nova perspectiva dos seus problemas: se todas as pessoas do mundo colocassem os seus problemas em sacos de papel marrom, você trocaria o seu pelo de qualquer outra pessoa desconhecida?
Não tenho certeza se acredito na versão dos iranianos, mas gosto dela, e não creo em brujas, etc... Para a questão dos judeus, abraço o meu conteúdo com todas as forças, porque me cabe e tenho certeza de que sei lidar. Chegou aos poucos ou de surpresa, mas é meu.
Hoje, uma pesada mesa de mármore da minha cozinha simplesmente veio abaixo! Se espatifou sem testemunha e sem aviso, num grande barulho! Não entendo nada sobre mesas de mármore, talvez o peso fosse desproporcional ao suporte, sei lá... Tenho que providenciar algo melhor. Mas lembrei dos amigos iranianos e me pergunto se devo ser ainda mais grata ao acontecido. Talvez algo muito ruim aconteceria a um amado? Não sei.
Mas agradeço a Deus que agora tenho só uma despesa (talvez alta) a mais no meu saco de papel marrom, mas não uma criança machucada, ou um gato de estimação para enterrar. Suspiro aliviado. Obrigada pelo livramento, meu Pai...

Pré-conceito

Morei na Flórida durante 2 anos e sete furacões, entre 2004 e 2006. Naquela época, já tinha os três (5 anos, 1 e meio e 7 meses). E já não aguentava ser uma médica disfarçada de dona-de-casa. Esse negócio de: "não importa o dia da semana que é, feriado, ou não, levante, arrume a casa, lave e passe roupa, alimente a família, troque fraldas e etc" não é comigo! E já tinha me arrastado nessa toada por 3 anos e meio.
Então decidi trabalhar. Não poderia ser como médica, antes de validar o diploma (coisa que fiz) e repetir a residência (80 h por semana, por 7 anos - não deu, não). Eu não era uma médica cubana no Brasil, nada de facilitação...
Comecei, então, a trabalhar como técnica em eletrocardiograma, na Cleveland Clinic Florida. Só não recebia ordens da faxineira, estava no nível mais baixo da cadeia alimentar. Mas foram os 18 meses mais felizes que passei nos EUA. Eu era respeitada por todos (sabiam da minha história real), tinha atribuições que aqui no Brasil são apenas de médicos, fazia muito mais do que a minha função, e estava de volta ao meu aquário: um hospital, cuidando de gente doente! Era o Paraíso!
Quando ficou muito difícil administrar as crises de asma e conjuntivites da minha bebê, conectaram o meu computador com o da clínica, e me deixaram trabalhar de casa, quando precisasse.
Um dia, conversando com um casal de senhores, me perguntaram por que eu morava nos EUA, sendo brasileira. Respondi que meu marido (na época) trabalhava na Caterpillar.
- O que ele faz? - perguntou ela - Dirige trator?
Achei engraçada a pergunta - como eu tinha um trabalho simples, ela presumiu que ele também teria. Eu só não esperava a continuação... Ri, e respondi:
- Não, minha senhora... Ele é engenheiro.
Ela levantou as sombrancelhas, sorriu, deu uma piscadinha e uns tapinhas nas minhas costas:
- Espertinha você, hein? Garfou um engenheiro!!!

Mãe

Nasci de um ser humano (graças a Deus imperfeito, como eu) de 20 anos. Que tinha um menino de 1 ano e 1/2. E teve outro depois de 1 ano. E adotou outro depois de 6 anos. E teve outra depois de 2 anos. Tinha perdido a própria mãe aos 4. Estava divorciada aos 30. Com 5 filhos. Criou-os, com 2 empregos, em uma casa de 1 quarto, com pensão alimentícia suficiente para alimentar 2. Matemática difícil essa, hein? Para minha sorte, nasceu destinada à vitória e à superação. Não à perfeição, porque essa não existe neste plano, e não nos ensinaria o que precisávamos aprender. Mas soube amar. Maria Nascimento: já velejamos mares de calmarias e tempestades terríveis, e já moramos em portos distantes, também. Muito mais está por vir. Em nenhum momento destes 44 anos eu duvidei do seu amor por mim. Muito obrigada.

Chandelier

Paro no sinaleiro e canto a todos os pulmões, junto com a doida, a promessa que nunca vou cumprir: "I'm gonna swing from the chandelier, from the chandelieeeeeeer..." Eu não vou balançar em candelabro nenhum. Nem tenho vontade. Estou saindo de um emprego para outro. Entre eles, vou à manicure, almoçar, pagar o INSS da empregada e levar a filha à escola. Nada mais diferente do que os planos da moça.
Mas eu gosto da música, e de sua intensidade. E aí, fico pensando na intensidade da letra, no momento que foi escrita, se é que reflete a realidade do(a) autor(a). Quanto desajuste... E em muitas mais: "tentaram me levar para a reabilitação", "tenho que me manter drogada para manter você fora da minha mente", e por aí vai...
Uma vez, Djavan disse que para se criar algo, ou se está muito contente, ou muito triste (ou algo nesses termos). Será que é isso mesmo? Será mesmo necessário um desajuste nesses nossos artistas maravilhosos? Uma mente caleidoscópica é essencial para que algo belo (ou nem belo, mas impactante) surja, para entretenimento de quem acorda cedo e paga as contas em dia? A que custo para a vida pessoal do artista? Será que se mais diagnósticos e tratamentos psiquiátricos fossem feitos, menos beleza existiria no mundo? Se examinarmos de perto a vida de vários atores, pintores, compositores, escritores, veremos sintomas claros de várias doenças, mas o legado que deixaram é indiscutível, belíssimo! Por outro lado... Muito bom que eu não fui parente deles...
Será que o jardineiro consegue fazer poesia a respeito da beleza da flor, depois de ter que regar, adubar, combater as pragas, cortar as folhagens, etc? Ou, no final do dia, está tão cansado, que a última coisa da qual quer ouvir falar é plantas, e quem curte mesmo é a madame, que exibe o jardim para as amigas, orgulhosa, como se fosse obra sua?
Há que se achar um caminho do meio. Ter um jardim não tão grande, que se passe o dia inteiro só cuidando, e não se tenha forças de apreciar o resultado final. Usar a loucura para criar coisas belas, mas não se tornar refém dela. Saber procurar ajuda na hora certa. Um equilíbrio. Tem gente que passa a vida inteira procurando e não acha. Espero que a moça da música ache, antes que o candelabro quebre.

Palavras

Se existe algo que nos diferencia dos animais são as palavras. Agrupá-las de maneira coerente, interpretá-las de maneira adequada são tarefas prazerosas e inteligentes. Em capacidade variável. Sorte de quem o faz com maestria. Em ambas as direções.
Esta semana, um amigo me descreveu sua empregada como quem descreve um personagem de livro. Vi até o rosto da moça. Imaginei sua origem, seu sotaque, o jeito que ela olha para baixo quando o encontra, sua vergonha ao entrar em sua casa, como ela mistura as roupas brancas com as de cor no mesmo tanque, e por que ele nunca a vai esquecer, mesmo que um dia ela ache um patrão que pague melhor, ou o marido resolva mudar de cidade.
Outro descreveu a cena de ensinar a filha a andar de bicicleta sem rodinhas. (Peço uma liberdade autoral aqui). Deleite puro. Vento no rosto. Sorriso de criança. Pele de procelana. Taquicardia de pai. Medo, alegria, orgulho, vitória! Lágrima nos olhos. Sentiu-se lá? Nós também!
Palavras. Como não amá-las? As palavras resolvem conflitos, e também os criam. Descrevem sentimentos, te levam ao passado, delineiam planos, explicam o que se passa no mais profundo da alma da pessoa, estabelecem contratos, decepcionam, prometem, agridem, animam, acalmam, levantam, derrubam... Enfim... tudo o que as pessoas escolham fazer.
Claro, junto com as palavras faladas e escritas, existe a linguagem corporal, percebida também em graus diferentes pelas pessoas. Às vezes a boca diz uma coisa, a expressão, outra. Mas, em tempos de Internet, e considerando-se a palavra cantada, a emoção que podemos despertar uns nos outros é algo verdadeiramente digno de nota.
E quando as palavras não vêm? Quando a resposta não é dada? Bom, a imaginação pode ir mais longe, mas não deixa de ser uma mensagem, também... A ausência de palavras também diz muito. Só é mais difícil de interpretar, e temos que olhar o contexto mais amplo para entender.
Encontrar as palavras certas, às vezes, é uma das experiências mais reconfortantes do mundo! Para trocar experiências, para validar o sentimento de alguém, para se fazer entender, para desfazer um mal entendido, para sanar um problema... Para um exercício de imaginação a dois...
Palavras sempre serão bem vindas entre os seres humanos, e definitivamente nos separam dos animais. É um presente de Deus. Usemos com cuidado. Seu poder é indiscutível. E maior em alguns que em outros...

Último dia do ano, primeira postagem do blog

Não entendo muito de horóscopo chinês, mas ouvi dizer que 2014 foi o Ano do Cavalo. (Nem sei se deveria ter colocado em letras maiúsculas, mas já foi). Que o Ano do Cavalo geralmente é um ano difícil, cheio de mudanças drásticas, transformações... Não decepcionou! Claro, todos os anos têm as suas chacoalhadas, seu drama em quantidade variável, sua retrospectiva de final de ano cheia de assassinatos, enchentes, crises, guerras, etc, o que, às vezes, nos faz perguntar se na verdade não estamos assistindo a mesma retrospectiva do ano anterior, com mudança apenas dos nomes das pessoas e lugares. E são essa coisas que são mostradas na TV, porque, obviamente, o ser humano adora o drama (principalmente o dos outros, de preferência que não sejam fisicamente parecidos com ele) e é o que dá audiência, mesmo. Faça-se um programa só com as boas notícias, e todo mundo vai estar ou dormindo, ou desconfiado de que é tudo mentira, uma propaganda para alguém se dar bem. Talvez o partido político da situação. Mas da desgraça, ninguém duvida! E ainda sai espalhando, comentando. "Porque a gente está aqui é mesmo para sofrer, para merecer ir pro Céu." Enfim...
Mas, neste ano, realmente, houve muita coisa palpavelmente diferente, para as pessoas mais próximas a mim. Por motivos óbvios, não vou citar o que aconteceu com quem. Porém, contabilizou-se vários divórcios (inclusive o meu), gravidezes, funerais, formaturas, desempregos, admissões, términos de romances, descobertas de infidelidades, nascimentos de bebês, casamentos, diagnósticos graves, livramentos, e a lista não tem fim... Realmente um ano do ca...valo!
E então, no começo dele, eu andava distraída, com o monte de tempo livre que o divórcio me deu. Um bônus inesperado: a liberdade de trocar atenção com quem você quer, na quantidade que os dois quiserem, sem aquele medinho de se apaixonar por outro e acabar traindo o homem da sua vida. Ou fazê-lo passar por corno. Você começa a interagir, através de diversos meios, pelos mais variados motivos, termos e palavras, e não tem que dar satisfação prá ninguém. Pode ser amizade, interesse sexual da parte de um, ou dos dois, pode ser parente, homem, mulher, criança, adolescente... Também se pode tomar café, sorvete ou banho com quem for, e ninguém tem nada a ver com isso. Enorme vantagem! Não seria motivo suficiente para eu me decidir pelo divórcio, obviamente, mas faz parte do pacote, e é muito bom... mesmo...
Nessa distração, eu conheci alguém criativo. Muito. Criativo. Interagir com ele, desde o começo, foi excelente! Eram conversas rápidas, dinâmicas, a gente viajava nas possibilidades, surpreendia um ao outro com a próxima fala/escrita. "Eu te desejo isso", "pois tomara que então te aconteça aquilo"... E a gente ria. "Então te proponho isso", "então pode contar com aquilo outro". Mais risos. Não estou falando de sexo, se algum assanhadinho já enveredou por aí. Vários assuntos. Estorinhas, bobagens absurdas, sem medo de ser feliz! Claro, também havia as conversas comuns, descrições do que se havia feito, de como as coisas estavam andando. Mas sempre divertido, inusitado, colorido, intenso, vivo! Como aquele filme, "A Vida de Pi"! Começou num contexto sério, não havia por que ter se desenrolado desse jeito. Mas a gente clicou, se fez bem, não teve medo de ser julgado, liberou a criancice, sei lá! Quando essa amizade virtual/real acabou, infelizmente, senti muita falta de tudo isso, e comecei a me questionar o porquê. Tinha sido muito breve, sem contato físico, sem ao menos nos conhecermos direito, por que tinha sido tão prazeroso? E o principal motivo, concluí, foi exatamente esse exercício que fizemos: de sair da realidade, nos rebelarmos contra a rotina, as tarefas diárias, e estar longe dali, em pensamento, com a ajuda um do outro, em horas às vezes inadequadas, em que não deveríamos estar criando e/ou rindo igual a dois retardados.
Foi um encontro muito feliz para mim. Fui lembrada de um lado meu que estava adormecido. Em coma, na verdade. Interessante como algumas pessoas tocam a vida da gente sem ter que se esforçar, e sem noção do que estão fazendo. A pessoa certa, na hora certa, o estímulo certo e o tom certo de azul dos olhos.
A minha maneira de expressão é através da escrita. Como médica, uso as palavras para me comunicar, já escrevi trabalhos científicos e capítulo de livro, mas a Medicina não é essencialmente uma ciência criativa. O médico precisa ter conhecimento, saber aplicá-lo, mas de uma maneira geral, as respostas estão prontas, as soluções não demandam criatividade. A não ser, talvez, para cirurgiões, mas não é o meu caso.
Comecei a escrever pequenos textos no facebook, e foi sugerido que eu escrevesse um blog. Então, aqui está. Um espaço para eu me transbordar, para colocar todas essas ideias que me chegam, de vez em sempre. Tudo o que me ocupa e me dá prazer em pensar. Ou melhor, gera uma emoção. Nem sempre prazerosa. Mas que precisa ser expressa. Terapêutico, talvez? Sem grandes pretensões. Sem finalidade nenhuma que não seja distrair a mim mesma, e a quem tiver vontade de ler o que passa na minha cabeça. Sem compromisso com a verdade, tudo ficção, com umas pitadinhas de vivência minha e de outros, aqui e ali. Não quero ofender ninguém, ou comprometer, então, por favor, sem melindres. Aquela história de "terá sido mera coincidência", etc. E sempre há a opção de deixar de ler, para quem se aborrecer...
Feliz 2015 a todos nós! Que o barulho do galope do cavalo vá se afastando, e que o próximo bicho (que ainda não sei qual é, vou procurar no google) seja menos selvagem... Beijos!