terça-feira, 31 de março de 2015

Bolacha

Maria
Fumaça
Que vem
E que
Passa
Não vai
Com as
Outras
Vem cá
E me
Abraça
Maria
Mole
Das coxas
Duras
De
Intenções
Impuras
Das minhas
Agruras
Maria
Chiquinha
Entra
Na minha
Você
Vai saber
Que eu só
Quero
Dar conta
De ocê

Provocação

Interessante
Reação
Do poeta
Quando
Mencionei
Que desafio
A morte
(Dos outros)
Não pôs fé
Nas minhas poções
Nos chás
Nas dietas
No desfibrilador
Nas sangrias
Nas sanguessugas
Nos cirurgiões
Que me acodem
Na hora certa
Me chamou
Para a sua vida
(E quanta vida!)
Mas deixou
Bem claro
Que na sua
Morte
Manda ele!

segunda-feira, 30 de março de 2015

Efêmero

Num momento
Seu rosto perfeito
Escultura em jade
Sonho
Êxtase
Absoluto
De desejo
No próximo
Vira areia
E escorre
Entre os meus dedos
Ampulheta
Dolorosa
Lembrança
Fugidia
Saudade
E desapego

domingo, 29 de março de 2015

Hoje

A chuva abençoa
Tanto a flor
Quanto a erva daninha
Suas mentiras
Tornaram possível
Minha brincadeira de casinha
A realidade me brinda
E me traz de volta
Sozinha e toda minha

Malas Prontas

Chegou a hora
De mudar
Minimizar
Aconchegar
Resumir
E partir
Se livrar
Dos quadros
Do material
De pescaria
Dos martelos
Das ruelas
E das mazelas
Que nunca aprendi
A manusear
Dos ecos
E dos trecos
Dos bons
E dos maus
O quarto
De bagunça
Inutilizado
É a prova
De que o passado
Foi mesmo
Amarrotado
A caridade agradece
A gente amadurece
A bagagem é mais leve
O caminhão na porta
As novas dívidas
E a nova vida
Bem-vinda!

Quase Infarto

E o que acontece aqui dentro
Quando eu penso em você
Distraído em seu mundinho
Abstraído em seus afazeres
É difícil demais
Você nem imagina
Dói muito e palpita
No fundo da angina

sábado, 28 de março de 2015

Encosto

Perdeu a virgindade com o meu ex
(O imbecil me contou logo depois)
Apaixonou-se pelo meu melhor amigo
Deu uns beijos no meu irmão
E declarou guerra à minha irmã
Veio me visitar
Viu a lingerie vermelha no varal
E quis saber "quem é o cara?"
Me ofereceu uma carona
Prá que eu visse que trocou de carro
Quer me levar na cabeleireira dela
Para eu parar de usar franja
Alisar o cabelo e fazer luzes
Moça, nunca fomos amigas
Qual é o seu problema comigo?

Paixão

Um dia
Passou
Miou
Acabou
Feito
Chuva
Febre
De gripe
Ou crise
De soluço
Papéis
Invertidos
Mas que
Divertido
Vamos ver
Quanto tempo
Demora
Prá eu
Morrer
Em você
Sabendo que
Nada
Absolutamente
Nada
Vai
Acontecer

Sobre Joelhos

Muito irônico
Ter começado o ano
Desejando-lhe
Saúde para o joelho
E agora ralar os meus
Em orações de súplicas
Em seu nome
Sendo eles o que menos me dói
Quando tudo isso passar
Tudo voltar ao normal
As lutas serão
As mesmas de sempre
Para as quais nos preparamos
E às quais você pertence
E eu estarei a orar de pé
Para os meus olhos ficarem
Mais próximos dos de Deus
E Ele assim ver
A gratidão mais de perto
Não vejo a hora...
Melhoras...

Na Academia

1 - "Que gostoso escutar umas músicas em seguida, sem o "mamãe" no meio e ter que tirar os fones de ouvido, como quando lavo a louça."
2 - "Nossa, essa é legal, vou apertar o passo para seguir o ritmo. Ainda bem que o meu amigo ainda não me deu o pen drive com músicas mais rápidas, prá me sacanear".
3 - "Vixi, essa cansou. Vou procurar uma mais lentinha."
4 - "Ainda bem que eu prendi o cabelo."
5 - "Será que tem algum centímetro seco em mim?"
6 - "Boa ideia escolher essa roupa com cheiro de Comfort!"
7 - "Que bom que não tem ninguém aqui. Essa posição não combina com a lady que eu sou..."
8 - "Meus braços esticados nesse movimento lembram perninhas de rã, risos."
9 - "Sorte que o vizinho não está aqui com a personal trainer dele. Eu devo estar fazendo isso tudo errado, ía ficar com vergonha dela."
10 - "Espelho, espelho meu, existe alguém mais branca do que eu? Ah, sim, uma albina."
11 - "Caramba, se eu emagrecer tudo o que eu quero, meu rosto vai ficar fino demais. Melhor não."
12 - "Puxa vida, essa celulite antes só aparecia se eu apertasse..."
13 - "Olha que legal o desenho na coxa! Aposto que destroçaria uma melancia com essa força. Não... estou exagerando... Que ideia mais besta!"
14 - "Meu fôlego já melhorou muito, estou de parabéns!"
15 - "Já vi tudo, essa parte vai doer amanhã."
16 - "Como diria o Cazuza: 'todo o músculo que sente'"
17 - "Quantos desses será que a Paola de Oliveira faz? Filha da mãe!"
18 - "Legal, com pesinho na canela fica mais fácil fazer abdominal".
19 - "Tomara que dê prá vir três vezes essa semana."
20 - "Acho que essa artista fez essa música para o alongamento mesmo, que paz..."
21 - "Delícia de estar viva!"
22 - "Já tenho moral de mandar os pacientes se exercitarem, agora."

sexta-feira, 27 de março de 2015

Abusado

Não se contentou
Em olhar de longe
Ousou mandar palavras
E ainda uma ordem:
"Se ofenda"
Como se certo estivesse
Da minha reação...
E entre "cheiro"
"Pecado"
"Fenda"
"Obscenos"
E "minha vida"
Só fiz suar frio
E agradecer
A distância
Que nos separa
Os corpos,
Carioca!

Brincando com as Palavras

Foi assim.
Porque sim.
Ai de mim!

Penhas

E aquelas que sobrevivem
Se encontram na delegacia
E repetem o mantra
"Antes tarde do que nunca"
E engolem o choro
Tentando manter
Alguma dignidade
Mas no íntimo lamentam
Todas as primeiras vezes
Que justificaram
Deixar o amor
Despencar no desfiladeiro
E o resgataram apenas
Para se decepcionar de novo
O olhar de ódio
A doença venérea
O desrespeito ao resguardo
O olho roxo
O tapa no filho
A mentira descoberta
O murro na parede
O dinheiro negado
O abuso verbal
O cheiro de pinga
As ofensas aos gritos
O medo
A angústia
O coração aflito
As que sobrevivem
Nunca mais
Serão as mesmas
E dificilmente
Confiarão
De novo

Fetiche

Compra
Vende
Troca
Negocia
Decide
Define
Escolhe
Orienta
Olha o homem
Fardado
E arranha
O banco do carro

Estrangeiro

Coração
Agitado
Balbucia
Geme
Grita
Não entendo
Chamo o poeta
Que explica:
"Coração
Esperando
Fala
Esperanto"
E ele
Me traduz
Todinha...

quinta-feira, 26 de março de 2015

Boi de Piranha

Água
Gelada
Tingindo
De vermelho
Doi aqui
Doi ali
E acolá
Fecha os olhos
E reza
Que termine logo

quarta-feira, 25 de março de 2015

Antiinstintivo

Espero
Que quando
Chegar
A minha hora
Eu diga
"Bem-vinda!"
À inevitável
Da mesma forma
Que disse
À vida
Dia
Após dia
Após dia
"Rumbora!"

terça-feira, 24 de março de 2015

Infantil

Saudade
De pensar em você
De esperar você ligar
De esperar você pedir para eu ligar
De esperar ter motivo prá conversar
De sentar no café
Olhar pro celular
E sentir o coração disparar
Ligo ou não ligo?
Invento algum motivo?
Preciso?
Saudade da dúvida
Do friozinho na barriga
Do querer não querer
Saudade de você


Pouca vaidade

O que houver em mim
Que agrade a estética
Agradeço ao alface
E à boa genética
Meu amor às pessoas
E aos livros
Determinaram
Minha sina:
Sou rata de biblioteca
E de hospital
Jamais de salão ou
De academia

segunda-feira, 23 de março de 2015

Na Floresta

O macaquinho atrevido
Pendurado no cipó
Atormentava a onça
Dia sim, dia também
Puxava-lhe o rabo
E até a orelha
E saía rindo
E balançando-se
A fera reagia
Barulhenta
Com patadas
No ar, mas incapaz
De pegá-lo
Um dia
O macaquinho achou
Suas duas crias
Sozinhas
E pensou que seria
O dobro
Do divertimento
Chegou perto
Devagarzinho
Sem fazer barulho
E nem gemeu
Quando as presas dela
Lhe perfuraram
O pescoço

Matemática

Nove vezes fora
Nada
Empresta um
Desce dois
Um ML tem vinte gotas
Uma gota três microgotas
Tiro a prova
Calculando ao contrário
E comprovo:
Não é da sua conta!

domingo, 22 de março de 2015

Desculpas

Também, com aquela chuva...
Também, com aquela estiagem...
Também, com aquele clima...
Também, com aquela altura...
Também, naquele frio...

Pediu, com aquela roupa...
Naquele lugar...
Àquela hora...
Com aquela atitude...

Pudera, com aquele pai...
Pudera, com aquela mãe...
Pudera, naquela situação...

Veja bem, é filho único...
Veja bem, foi criado pela avó...
Veja bem, é o do meio...
Veja bem, foi órfão a vida inteira...

E assim tentam justificar
Maquiar
Encobrir
Explicar
Dividir
Amenizar
Não assumir
Que houve
Um erro
Uma má escolha
Um crime
Naquela hora
Chovesse ou não!

Conjunto

Meu coração
No teu lado bom
Minha cegueira
No teu lado ruim
Minha alma
Te ama todo
Tuas mãos
Nas partes

Adriane Garcia Gracinha

E a flor
Tentou
Em vão
Mostrar
Pro colibri
Que o perfume
Era bom
E a maciez
Era intensa
Que a vibração
Era divina
E o supra-sumo
Era a inteligência
Tudo em vão
O passarinho
Já estava hipnotizado
E surdo
Pela beleza
E as cores
Que só aos olhos
Agradavam....

Estação

Cê tá de boa
Cê tá de brincadeira
Cê tá à toa
Cê tá de zoeira
Eu tô na sua
Eu tô sorrindo
Ou tô chegando
Outono lindo

sábado, 21 de março de 2015

Estrada

O menino
Acuado
Engasgado
Dolorido
Sentimentos
Contraditórios
O querer
E o temer
Entre ter esperança
E receber a decepção
Encostou a cabeça
No vidro
Da janela do carro
E dormiu

Oração

Meu Deus
O Senhor é quem
Mais sabe
A intensidade
A veracidade
A sinceridade
Do meu amor
Considera isso
Ao escutar
O meu pedido
Que ele seja
Por amor mesmo
Atendido...
Por favor...
Amém

Amigos

E de tudo o
Que há
No mundo
O que mais
Gosto
É de gente
Escolho
Recolho
Acolho
Embrulho
E me dou
De presente

sexta-feira, 20 de março de 2015

Rebento

Filho:
Oportunidade ímpar
De aprender a amar
Nasce frágil
Indefeso
Cheiroso
Macio
Engraçadinho
(Propaganda enganosa)
Para nos conquistar

E manda primeiro
No corpo da mãe
Depois na casa
No relógio
Nas finanças
Nos planos
Acreditando
Que não manda
Em nada

Cresce devagar
E rápido demais
Surpreende
Encanta
Desabrocha
Define-se
E nos faz reviver
A primeira escola
O primeiro encontro
A pimeira decepção

Filho:
Se você já tem
E ainda
Não aprendeu a amar
Desiste!
É tarefa para a qual
Você definitivamente
Não nasceu

Convulsão de Poeta

As palavras
Vêm em ondas
Sucessivas
Como orgasmos
De uma alma
Ensandecida

quinta-feira, 19 de março de 2015

Eterno

Você foi meu
Meu tudo o que eu quis
Meu nada que podia ser
Minha criação
Meu mártir
Minha ilusão
Meu pedaço de mim
Fora do meu corpo
Idealizado
Eterno
Objeto de desejo
Rosto
Do meus sonhos
Fantasma da
Minha insônia
Levarei você
Para sempre
Na alma
Porque você
Só existiu
Dentro de mim

Brincadeirinha

Você sempre soube
O que eu sinto
Sou verdadeira
Não minto
Sempre quis...
Beijar você

(Salva porque a rima não é obrigatória, ri, ri, ri...)

quarta-feira, 18 de março de 2015

Nenê que Nasceu em Março

É fralda
É espera
É o fim
Do Leite Ninho
É um resto de choro
É um pouco assadinho
É um bebê
Bem parido
É o abajur
E o lençol
É contar
Com a sorte
É o banhinho
De sol
É o palpite
Da sogra
É o pediatra
Ensinando
É o banho
Escorrega
É o arroto
Chegando
É a coliquinha
É o peito rachado
É o começo da vida
Todo atrapalhado

Suave

Passos de gato
Boiar numa piscina
Beijo de borboleta
Sono de filho bebê
Ouvir a sua voz
Encostar a cabeça
No seu ombro
Música de piano
Cheiro de mandioquinha
Sendo cozida
Dormir sabendo
Que você será
A minha primeira visão
No dia seguinte

Dilema

E se ele se entregar
Na mão do doutor
Tomar toda a prescrição
Morrerá da cintura prá baixo
A fome se tornará absurda
Comer sem prazer
Dormir sem sonhar
Estar acordado
Sem na verdade viver
E se rebelar-se
A euforia pode ser tanta
Que pode se achar
O Super Homem
E pular da janela
Ou a tristeza pode
Chegar e arrebatar
E pulará da janela
Outra vez...

Vai com as Outras

Quando entre palhaços
Não media as palavras
Tudo era válido
Desde que fizesse rir
Mesmo que inadequado
Ou maldoso
Na mesa do bar
Entornava todas
Desde que os acompanhantes
Também gostassem
Para o médico
Jurava ser abstêmio
Fazer exercícios
E usar camisinha
Num churrasco
Comia bacon de balde
Entre os vegetarianos
Declarava viver
De alface
Mudava de partido
Conforme o discurso
Dos outros
E de time
De acordo
Com a torcida presente
Na missa
Cantava mais que as carolas
No velório
Chorava mais que a viúva
Camaleão maluco
Confrontado com o espelho
Desmaiou
Por não saber o que
Devia ver...

terça-feira, 17 de março de 2015

Inútil

Diz a lenda que a pomba apaixonou-se
Pela estátua, tão branquinha quanto ela
Passava as tardes cantando-a
Esperando respostas, esperançosa
Até que percebeu que a pobre era surda e muda
Resolveu escrever poemas apaixonados
Que colocava em cartazes à frente dos seus olhos
Até que notou que ela também era cega
Triste, suspirou, e uma lágrima rolou
Pegou impulso, cagou na estátua, e saiu voando


Em Comum

"Eu componho". - disse ele.
"Eu escrevo". - disse ela.
Olharam-se nos olhos e entenderam:
"Eu tenho uma dor".
"Eu também".
Foi simpatia à primeira vista.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Jogo

E daí, no meio da conversa séria, ela solta um "igual à minha obsessão por você!".
Ele olha pro lado, cora, gagueja, e ela pensa "Bingo!". Adora ser imprevisível.
Ele tenta continuar de onde parou, mas não dá prá não rir.
Ali, ela dava as cartas, ele separava o morto.
E nenhum estava com pressa de bater.

Alívio

Tempestade
No céu
Se armou
Pelo céu
Ficou
Fez até funil
Mas nem
O chão tocou
Recolhi
As roupas
Do varal
Coloquei
Os cães
Prá dentro
Rezei
Pelos sem-teto
E observei
O vento
Chegar
O vento
Passar
E nem uma
Única gota

Mineiro

Chegou
Assim
De mansin
Cheirosin
Bonitin
Atrevidin
Quando me
Dei por conta
Tinha garimpado
Todas as minhas
Preciosidades...

Vôo

Calculei o impulso
Abri as asas adormecidas
E respirei fundo
Uma mão segurou firme
A minha canela direita
Olhei com raiva
Não mais me envaidecia
Ser querida
Daquele jeito
Biquei com força
Nâo tive pena
Da carne que rasgou
Do sangue que escorreu
Mereceu
Senti o vento no rosto
E o sabor do infinito
Céu azul
A ti pertenço agora
E para sempre

domingo, 15 de março de 2015

Ariel

A sereia
Metade peixe
Embaixo
Metade miss
Encima
Teria tido
Mais sorte
Se invertidas
As posições
Para evitar ter
O coração de mulher
Porque
Despreocupada
Apaixonou-se
Pelo príncipe
Sem saber
Que a simples
Condição de
Ser humano
O desqualificava
Para o seu amor
Pagaria caro
A ingenuidade

Ciclos

De noite
Levava a lua
Pra lá
De dia
Trazia o sol
Pra cá
Mas o grande
Segredo
Dos olhos
Do poeta
A estrela
Em seu coracão
Quem será?

De Propósito

Diz pra mim
Que esse perfume
Passou no seu peito
Ao mesmo tempo
Que a imagem do meu corpo
E eu confessarei
Que esse vestido
Foi escolhido a dedo
Para ser amarrotado
Por você
Vem...

Tenso

Acuada
A fera
Disfarçadamente
Olha a
Toca
Com as
Crias
E reza
Que o
Mais forte
Não acorde
Que o menor
Não chore
Que o outro
Não note
Antes que
A batalha
Sangrenta
Tenha
Acabado
Há de
Vencer!

sábado, 14 de março de 2015

Faxina

Minha mente fugidia
Pega esfregão
Água, balde
Com sabão
E tenta
Acompanhar
O trabalho
Das mãos
Procura
Cada cantinho sujo
Curte o cheiro
Bom de limpeza
Passa o rodo
Seca com pano
Branquinho
Deixa tudo brilhando
Mas invariavelmente
No final do dia
Dá um escorregão
E cai sentada
No seu colo

Caleidoscópio

Figuras
Geométricas
Cores em
Harmonia
Momento
De perfeição
Complementares
Em intensidade
Paixão
E intenção
Vida
Chacoalhão
Caos
Choro
E oração
Perda
De referencial
De beleza
E comunhão

Sobre o Nome

Arlete
Quando dá
No sapato
Nao é pedregulhinho
É bloco de concreto
Dorme com essa
Enquanto nos livramos
Do motivo
Da nossa enxaqueca

Castigo

Caminho descalça
Pelas ruas
Onde por muito tempo
Carreguei voce
No pensamento
Apesar da leveza
As pedras cortam
As solas dos pés
E sinto reais
A quentura do sangue
O gosto das lágrimas
Mas a única coisa
Que dói é o peito
O nó na garganta
Me castiga por existir
Quando você
Não mais...

Mulherão número 3

Mãe
Olha só
Já sei escrever
O irmão me ensinou
A senhora está orgulhosa?
Mãe
Olha só
Posso ajudar a senhora
A reconstruir a vida
Cuidar dos meus irmãos
A senhora está agradecida?
Mãe
Olha só
Vou ser médica
Passei no Vestibular
A saudade é grande
Mas a sua frustração
Pode ser diminuída?
Mãe
Olha só
Estou vivendo um grande amor
A sua desilusão
Pode ser esquecida?
Mãe
Olha só
Que lindo os seus netos
Sou eu uma boa mãe?
Puxei a senhora
No que há de melhor?
Mãe
Olha só
Voltei a escrever
As pessoas gostam
A senhora ouve os aplausos?
Isso a faz me amar mais?
Eu sou o que sou
Muito pelo que a senhora é
Mas depois de cada decisão
Olho nos seus olhos
E procuro aprovação
Espontâneo
Como a própria
Respiração


Te amo, Maria Célia, há muitas vidas!

sexta-feira, 13 de março de 2015

Assim, assim, assim

Não sei quem colocou
Esse sentimento
No meu peito
Eu que nunca fui assim
Jamais
Desse jeito
Não dá prá esconder
Cansei de disfarçar
Não tem como saber
O que a vida fará
Mas eu gosto de você
E é simples assim
Já há muitos anos
Você é tudo prá mim
E se o destino decidir
Que o melhor rumo
É mesmo separado
Mesmo assim eu fui feliz
Meu, para sempre, amado...

Sutil (ou não)

Na maioria dos dias
Escolho as palavras
Como se fossem pedras
Na travessia de um rio
No qual não quero
Me molhar
Olho quais as mais
Adequadas
Seguras
Que o meu peso
Parecem suportar
Mas tem momentos
Em que o banho é bem vindo
Falo o que bem quero
Mesmo que trema
Igual uma chihuahua
Presa num freezer
E a falta de ar
Quase não me deixe
Me expressar...

Sobre o que não é óbvio

Desenhei dois círculos
Em uma folha de papel
Pedi a duas pessoas
Para uni-los
O primeiro, um engenheiro
Desenhou uma linha reta
E em alguns segundos
Unidos estavam

Levei o desafio
Para um poeta
Expliquei que a solução
Não era tão simples
Como uma linha reta

Ele pensou um pouco
E fez um grande círculo
Que englobou ambos os meus
E explicou
Que "unidos"
Não necessariamente
Significa "tocando-se"
Para quem enxerga
Além da visão

quinta-feira, 12 de março de 2015

Aneurisma

A dor
Lancinante
Separa
As camadas
Da aorta
Rasga o peito
E sobe
Dissecando
As carótidas
Explodindo
No cérebro
Vontade
De gritar
Até exaurir
Os pulmões
Ou as cordas
Vocais
Não mais
Se mexerem
Nem prá um
Gemido

Flores

E daí o programador de eventos se apaixonou pela florista.
Muito tímido, mandava gravuras feitas à mão grampeadas em cada pedido de entrega.
O que não deixava de contrastar: natureza morta para quem o deixava tão vivo...
Após algumas semanas, ousou começar a desenhar também corações.
Um dia, junto à nota fiscal, encontrou um envelopinho, daqueles que vêm com ramalhetes.
"Obrigada pelo carinho. Por favor, me surpreenda, agora."
No dia seguinte, ele foi pessoalmente. Roupa de missa, sorriso no rosto, caixa de bombons na mão.
Porque era assim que ele era.

Enroscado

Quando soube que ele estava chegando, fez uma pequena trança no cabelo, desde o topo, do lado esquerdo.
Depois de uns cinco minutos de conversa, ele pegou aquela mechinha entre o polegar e o indicador direito, e a massageou de cima até a ponta.
"Gracinha!" - disse.
Ela sorriu por dentro e por fora.
Ah... A doce previsibilidade do homem interessado...

Anamnese

Bom dia
Minha senhora
Onde dói?
No peito, na garganta
Na alma?
Prá onde se espalha
O desconforto?
Pro braço, prás costas
Pro espírito?
Há quanto tempo?
Um ano, um mês
Uma semana
Ou desde a viuvez?
Desde o susto?
Desde o fim
Da ilusão?
Qual a intensidade?
Fraca ou quase nada
Moderada
Ou forte
De dobrar os joelhos
E se pedir
Prá morrer?
Quando ocorre?
Após o esforço?
No início da manhã?
Quando as recordações
A assolam?
Ou na hora de dormir?
Qual a frequência?
Diariamente?
Quando respira?
Ou só de existir?
E o que mais sente?
Sua frio?
Perde o fôlego?
Perde a esperança
E chora?
E como melhora?
Descansando?
Tomando pílula?
Orando e entregando?
Como piora?
Admitindo
O problema?
Ou tentando
Esquecer?
Dói quando eu aperto?
Quando inspira mais fundo?
Quando toco no assunto?
Toma aqui
Minha senhora
Um remédio apropriado
Uns exames prá fazer
Seu problema agora é meu
E vamos tentar
Ao máximo
Resolver

Pedido

Poderia ter sido
Mundano
Vulgar
Rápido
Definitivo
Fútil
E passageiro
Mas não
Teria combinado
Comigo
E com você
Com o que amamos
A nossa razão
De nascer e viver
Nessa espera
De redemoinho
De sentimentos
A única certeza
É a de que fizemos
E não fizemos
As coisas certas
Volta e fica...

quarta-feira, 11 de março de 2015

Gourmet

Sucrilhos
Fubá
Canjica
Pipoca
Pamonha
Curau
Bolo
Farinha
Cozida
Enlatada
Xarope
Ou amido
Boneca verdinha
De cabelos
Loiros:
És o verdadeiro
Maná dos deuses

Alegria

Vem cá, meu amor
Escuta essa música
Contagiante
Sente a minha alma
Palpitante
Você rirá
Me abraçará
Bagunçarei o seu cabelo
E beijarei a sua boca
A bruxa chegará
Na próxima semana
Lutaremos juntos
Contra ela
Mas hoje
Certamente
Pertencemos um ao outro
E nós dois
À felicidade...

Disfarce

O bobo da côrte
Muito bobo
Se apaixonou
Pela rainha
Publicava seus
Sonetos
Açucarados
E ousados
Com o nome
Da filha
Do açougueiro
E rezava
Para que a outra
Lesse...

Poeta

Nasceu abençoado
Em cérebro e mãos
Corta
Abre
Arranca
Rearranja
Conserta
Arruma
Combina
Fortalece
Ressuscita
Alinhava
Sutura
As palavras
Nenhuma gota
De sangue
Fora do campo
Cirúrgico
Alinhamento
Balanceamento
Dos pneus
Resultado final
Deslumbrante
E entre
Sílvia
Tuca
Lourença
E Tenório
Estou eu, aqui, babando
Sua mais empolgada
Macaquinha
De auditório

(Baseada em Raul Drewnick)

Lista

Nâo sei se a gente pode escolher com antecedência, mas aqui está a lista de cenas que eu gostaria de assistir na mente, antes de bater as botas:
1 - O meu pai me acalmando porque eu estava com medo de vulcões em erupção
2 - A minha mãe passando farinha na forma untada para assar um bolo por dia naquele verão
3 - O meu irmão mais velho me ensinando a ler, aos quatro anos
4 - O meu tio materno jogando xadrez com o meu irmão
5 - A minha avó paterna dando canecas para os netos
6 - A minha tia me explicando o significado de um palavrão
7 - A minha outra tia raspando a perna na beira do tanque
8 - A primeira mamadeira que dei ao meu irmão recém-adotado
9 - Revezando fazer cósquinha no pé com o meu irmão mais novo
10 - O meu primo mordendo a palma da minha mão para não perder o controle
11 - O primeiro dia de trote da faculdade
12 - As tardes de verão na casa do pai do meu paquera
13 - As batatas assadas e a família da amiga
14 - Viagens de jipe amarelo para Barra do Una
15 - Um certo dia de Finados em que a vida foi celebrada
16 - A noite da minha formatura
17 - A minha tia vindo de Brasília me ajudar com a mudança
18 - O dia do meu casamento
19 - O primeiro dia nos EUA
20 - A primeira vez em que vi os meus filhos - beijei a asa esquerda do nariz de cada um deles
21 - No hospital, ajudando o meu filho a andar depois de tirar um rim - a gente fingia que era pinguim
22 - Um pedido de beijo que me enlouqueceu
23 - A minha irmã se exibindo grávida prá mim, barrigão de fora
24 - Um momento "eureka" libertador durante a terapia
Voltarei de tempos em tempos para rever e adicionar...

terça-feira, 10 de março de 2015

Falho ato

Esqueci o ponto
De interrogação
Virou um sim
O que era
Indecisão

Declarei amor
A uma pessoa
Querendo
Mandar recado
Para outra

Coloquei um "s" a mais
Mudou o sentido
Do que andava
Havia muito tempo
Reprimido

Citei o nome
De um lugar
Quando pensei
Noutra situação

Falei um "não"
Inapropriado
Porque na verdade
Não queria

Só posso me redimir
(com meu bom português)
Com "foi o inconsciente
Quem fez..."

Pronta

A desgraça chegou
Me chacoalhou
Três tapas na cara
Em três semanas
Ela é estéril, feia e órfã
Eu sou filha, mulher e mãe
Ela não me suporta...
Arranhou cada um
Desses lados meus
Ergui o queixo
E olhei seus olhos
De sangue
"Isso é um teste?"
Ela riu
Com bafo de cachaça
Cuspi em sua cara
"Te conheço há muito tempo,
Mal parida!
Tenta de novo!
Ainda não fui vencida!"

Bagagem

É só mais um
Só mais um leão
Um pesadelo
Um furacão
Só mais uma perda
Um desespero
Uma ilusão
Só mais uma guerra
Uma luta
E destruição
Não é como
Se você
Nunca tivesse
Experimentado
A lágrima quente
O corpo dormente
A navalha na carne
As dúvidas
A aflição
Isso também
Vai passar
Vai marcar
Ser administrado
Embrulhado
E guardado
No baú
De memórias
Do coração

segunda-feira, 9 de março de 2015

Auto-preservação

Espero exausta
A madrugada chegar
Prá deixar de lado
O que os outros
Me entregam
Prá cuidar
As dores, as febres
As lágrimas, os medos
Os delírios, as tristezas
As más notícias, a fome
A saúde e a doença
As limitações
As esperanças
Margarina espalhada
Em camada fina
Prá cobrir
Pão extenso demais
Um puxa pelo braço
Outro pelos cabelos
Um quer a prece
Outro o conselho
Um, a visita
Outro, o telefonema
Me fazem feliz
Na maioria dos dias
Mas hoje eu só quero
Me ver sozinha
Prá lamber
A minha própria ferida
Aberta, que sangra

Sem Pausa

Ainda não!
Não recoste
O corpo
Não dispa-se
Da farda
Mantenha o
Colete
À prova de balas
Limpe o óculos
Mas não coloque
A camisola
Não deixe as
Lágrimas
Chegarem
Ainda não!
O golpe
Feriu
Mas não matou
A fera recuou
Mas não morreu
E voltará
Escuta!
Presta atenção!
Apenas molhe
O rosto
Prá não dormir
Que o outro inimigo
Se aproxima...

Bichinhos

Ele queria ser
Um caracol
Casinha de calcáreo
Embutida
Refúgio
Rápido nos
Aborrecimentos
Escondeu-se
Foi na
Cachola dela
Embaixo
Dos mil
Caracóis
E entre
Os grilos

Guarda-roupa

Madeira podre que é
Cederia à primeira
Machadada verbal
Mas não vale
O esforço
De levantar
O machado
E o risco
De envenenar
As palavras

Topo

Da última vez que nos vimos
Você tinha mais cabelos brancos
E os meus estavam uns dez centímetros mais longos
Tirando isso, nunca soubemos de verdade
O que o outro tinha na cabeça naquela hora

Dor

Quando algo me dói muito
Por exemplo o dente
Belisco a antebraço esquerdo
Para distrair o cérebro
Hoje em dia
Belisco a poesia
Para me aliviar a alma
Chorosa...

domingo, 8 de março de 2015

Dias de Semana

A rotina estafante
É bem-vinda
É bênçao
É refresco
Prá quem ama o que faz
Vive vezes três
E tenta esquecer...

Imposto

Hora de fazer as contas
O que se espera
Seja pago
Por quem tudo quis
E nada pôde?
O que posso esperar
Em restituição
Ao sofrimento?
Antes o leão
Tivesse sido
Menos domado

Experimento

O mais libertador de não haver perspectivas de futuro era não haver necessidade dos clichês.
Seria ascensão, domínio e queda em seis horas, ao invés de seis meses.
Não mentiram para impressionar um ao outro, não fizeram promessas que não pretendiam cumprir, contaram histórias sem medo de julgamento, e tiraram a roupa porque era isso mesmo que quiseram, assim que se viram.
Ela achou ótimo não ter tentado parecer uma femme fatale. Uma máscara daquela não teria durado muito tempo. Estava experimentando o tal sexo casual pela primeira vez, prá ver se conseguia, se era gostoso, se lidaria bem com não receber o telefonema no dia seguinte. Ele cairia como uma luva.
Pararam num posto de gasolina, e ela desceu.
- Espera um pouco que eu compro.
Chegou perto da porta de vidro, e voltou, sem graça. Ele abaixou a janela.
- Tamanho P, M ou G? - perguntou, morrendo de vergonha.
Ele explodiu numa gargalhada meio bêbada.
- Não é assim que se vende!
Falou um número lá, e ela nem soube se a noite prometia, porque não entendia de tamanho em números.
Voltou na direção da loja, e pro carro de novo.
- Compro uma ou duas?
Nova gargalhada, e agora ele quase chorou de rir.
- Só se vende de três! - respondeu, enxugando os olhos.
Ela começou a ficar vermelha e riu também.
- Quanto tempo faz que você não faz sexo, mulher?
- Onze meses. E eu não precisava usar camisinha, já te falei.
- Então não usa comigo, pô!
- Você tá louco?!
Entrou na loja e comprou, tentando fazer cara de adulta. Mas estava muito sem graça, e o balconista dando um sorrisinho de lado não a ajudou.
Prá resumir: o cara, acostumado a mandar, mandou bem. O corpo dela agradeceu muito. Ele, porém, não a ajudou a definir o que queria dos homens. Mas a ensinou que aquele tipo de encontro, definitivamente, não era para ela. Ela preferia que ele tivesse ligado. Nem que fosse para dar tchau antes de embarcar no avião.

Patética

E aí eu percebo
Que não erro tanto assim
Que não gozo tanto assim
Que o mundo já recebe
O melhor que há em mim
Só resta cair de joelhos
E chorar em desespero
Porque nem ao menos tenho
O que barganhar com Deus

sábado, 7 de março de 2015

Descarte

Enquanto fui de serventia
Fiz parte da fantasia
A companheira ideal
Agora que não mais combino
Com a nova farsa adotada
Fui descartada
Máscara jogada no lixo
E nem ao menos reciclada
Para um outro Carnaval...

A Mais Antiga do Mundo

Comunicam-se
Através
Das janelas dos carros
As mulheres
Com contas a pagar
E os homens
Sem contas a prestar

Pólen

Enchi meu facebook de poetas
Alguns tristinhos
Alguns felizes
Alguns derrotistas
Alguns com asas
Alguns com raízes
Alguns chuvas
Alguns arco-íris
Pouso em cada um
E os beijo
Sentindo a doçura
Só não retribuo
Com polinização
Porque já nasceram
Fecundos demais!

Tornado

A sirene tocou ali pelas duas horas da manhã. Eu estava sozinha, numa fazenda imensa, no meio do interior de Illinois. Difícil acesso até para quem queria muito chegar. Escutei o vento, percebi uma cor amarelada estranha no céu, mas já estava acostumada aos alarmes falsos.
Peguei o rádio de pilha, uma garrafinha de água, e desci para o porão. Queria que o meu marido estivesse comigo. Fiquei feliz pelo fato da minha filha já ter ido embora, com as crianças.
Sentei no sofá, liguei a TV, que estava dando os avisos sonoros, mostrando o mapinha do meu condado em vermelho, e anunciando "um tornado foi visto tocando o chão em tal ponto, procure abrigo..."
De repente, o barulho de um trem, altíssimo, ensurdecedor. A casa acima de mim tremeu e tudo foi pelos ares. Num pulo, me vi embaixo da mesa de ping-pong, de olhos fechados e cobrindo os ouvidos. Lembro de ter me perguntado se, como no filme, estariam voando vacas, jamantas e sabe-se mais o quê. Sempre tenho pensamentos fora de contexto, que me dão vomtade de rir, na hora do nervosismo. Mas o medo maior, definitivamente, era de nunca mais vê-lo. Meu amor. Nunca mais ouvir sua voz. Me misturar a uma pilha de entulho e tudo deixar de existir. Não podia terminar assim.
Eu estava no meio do nada, sozinha, tornado acima de mim, e ele parecia durar uma eternidade. Quando lembrariam de me procurar? Se é que eu sobrevivesse... Desmaiei.
Acordei no Hospital Regional. O corpo latejava em dor muscular, a cabeça doía... O bombeiro, rosto branquinho, jeito de boa gente, falou as três melhores palavras que eu podia escutar, como um sopro em ferida de carne viva: "Como você está?" Olhei prá ele meio sem forças e quis perguntar "como você soube?", mas não consegui. Comecei a chorar de alívio. Estava viva. Fui encontrada. Ele já estaria a caminho, correndo de volta prá mim. Certeza.

Parceria

Unidas
Nossas vidas
Por escolha
Por amor
Não importa
O que aconteça
Vou aonde
Você for
Me enfeitiçaste
Me enlaçaste
Agora estou
Ao seu dispor
Doce encontro
De duas almas
Que não se vêem
Existindo
A não ser
Estando
Juntas...

sexta-feira, 6 de março de 2015

Porto Inseguro

As comportas
Foram abertas
Porque a porta
Foi lacrada
Meu comportamento
Nao condiz
Com o que eu sinto
Por dentro
Importo-me
Mais do que deveria

Natureza

A lava escorreu de um lado
O mar deu o troco
Na mesma proporção
A lava destrutiva
Esquentou
Mas não deu conta
De desarranjar
O que é imenso demais
E o vapor agradeceu seu parto

Tortura

Chegaram em quadrilha
Numa tarde de quarta-feira
Em que eu me distraía
A dor
A agonia
E o medo
E prometeram:
"Espera que o
Desespero já chega!"
Me pegaram pelas axilas
Me levaram prá um quarto
Em penumbra
Me colocaram
Num cantinho
Ajoelhada no milho
E ordenaram:
"Finge que não existe!
Nem um pio!"
Devem ter me estudado
Com antecedência...
Colocaram um balde
Na minha frente
E apostaram entre si
Quantos litros
Seriam atingidos
Ali pelas tantas
Joelhos dormentes
Coluna arcada
Perguntei debilmente
Voz de criança:
"Mas o que foi
Que eu fiz?"
Me olharam com desprezo
Depois um ao outro
Explodiram numa gargalhada
E voltaram
Ao jogo de truco

quinta-feira, 5 de março de 2015

Extremado

Tanto quanto eu
Sempre amou viver
Quando estava de mais
Me trazia bonecas
Que me causavam culpa
Sentimento de estar
Me aproveitando
De sua doença
Enchia mulheres
De dedo podre
De poemas, ilusões
E filhos
E vendia Bíblias
Quando estava de menos
Era internado e medicado
Temporariamente acuado
Depois me contava tudo
E eu desejava ser surda
Ou que ele fosse mudo
Mas nunca pedia prá parar
Era muito mais importante
Para ele falar
Do que era para mim
Me poupar
E era tão sentimental
Que morreu
De infecção cardíaca

Metrô

O que mais lhe doía
Não era contar moedas
Na frente da cabine
Era chegar na linha verde
Depois de tanto tempo
E ver o mundo
Ao qual não pertencia
Homens de terno e gravata
Mulheres com maquiagem
Importada
E bolsas de grife
Estar destinada
Àquela visão periférica
Para sempre

Sem Vaidade

Pior que a intensidade
Em demasia
Era a transparência
Exagerada
Desejava ser a Medusa?
Não
Tinha amor demais
Pelas pessoas
Até para querer
Impedi-las
De perceber

Que Pena

A mamãe faz gemada
O papai prepara canja
Deixem o galinheiro
Em paz
A minha vida seguirá
Em frangalhos

quarta-feira, 4 de março de 2015

Tristeza

A poesia agora acontece
De madrugada
De olhos inchados
E boca salgada
Sobre pétalas arrancadas
Navios afundados
Troca de olhares
E atos não consumados
Sobre mim
Sobre você
Cada um
Pro seu lado

Eco

A louca deita em tristeza
E chora
Chora
Chora
A insônia voltou cruel
E agora?
Agora?
Agora?
Suco de uva prá matar a saudade
E não de amora
Amora
Amora
Vou apelar pro Rivotril
Por ora
Ora
Ora...

Alga

Na hora que a gente acha
Que já sofreu muito
Que já chorou demais
Que já teve cortes profundos
Que já calejou
A praia convida
Mas a onda vem
E cobre acima da cabeça
Faz rolar em cambalhotas
E o cospe na praia
Em trapos
Salgado como as lágrimas
Ralado ao longo das costelas
Lamentando o dia ter estado lindo
Para um exercício
Interrompido antes de concluído

Cascão

Fica me mandando goiaba
Cheirosa e adocicada
Continua nesse rumo
E me terá cristalizada
Presta atenção:
Isso é um poema
E não uma cantada

Xadrez

O peão chega de mansinho
Humilde, trêmulo se declara
O cavalo só cobiça de longe
O bispo já contou
Querer ser a razão de suas confissões
A torre promete
Um dia prendê-la em seus domínios
Para sempre
O rei a caçar raposas
E a rainha segue em jejum...
Por enquanto...

Plácido

E o que mais admirava
Era a sua serenidade
A surdez da sua caravana
Aos latidos dos loucos
O silêncio na hora certa
A sabedoria das palavras
Só não esperava
A falta da espinha dorsal

Desabafo

E, quando desatava
A falar de medo
Mencionava os monstros
E nunca as baratas
(Não desperdiçava tempo)

Hectares

Decidi
É hora
De liquidar
O meu amor
Por você
Mas ele
É tão vasto
Preciso
Sitiar
Primeiro

Horror

A formiga
O menino
A lupa
O sol
Diversão
Macabra
A formiga
Vaidosa
Com a atenção
O menino
Projeto
De psicopata

terça-feira, 3 de março de 2015

Fantasias

Toda vez que a realidade
Se apresentava
Bocarra arreganhada
Ela fugia
Para suas paixões
Impossíveis
O taxista
Que era rude demais
O professor
Casado demais
O pescador
Imprudente demais
O médico
Inatingível demais
O garçon
Mulherengo demais
O sapateiro
Viciado demais
Todos maravilhosos
E confirmadamente
(Pelas cartas do tarot)
Homens da sua vida
Cada qual em sua época
Preferia chorar
Tudo de bom
Que jamais teria
Mesmo que não existisse
Do que sofrer
Por tudo de ruim
Que, de fato, existia

Predileto

Um azul passa prá lá
Um dourado rebolando do lado de cá
Um gordinho
Um espevitado abre boca
Fecha boca
Preciso limpar melhor
Tem cisco...
Olho mais de perto
Está se movendo
Mas é um mini-peixinho preto!
Vou chamá-lo de George
Alimentá-lo
Vê-lo crescer
A partir de hoje é o meu favorito
Porque sim

Assinatura

Consumemos, então
Batamos o martelo
Irei de salto alto
E com a produção
Com que quero
Ser lembrada
As pálpebras cor de
Asas de borboleta
A boca cor das rosas
Do nosso
Grande evento-farsa
E o meu melhor vestido
Tomara-que-morra

Vazio

Repeti o seu nome
Tantas vezes
Que a palavra
Perdeu o sentido
Perdeu a sua face
Virou hélio
Sem balão em volta
Amorfo
Des-significante
Vácuo
No coração

segunda-feira, 2 de março de 2015

Soltura

Quem te permitiu
Descer as escadas
Até a escuridão
Da masmorra
E destrancar
A porta
Da monstra
Duramente
Escondida
De mim mesma?
Ela é feia,
Cruel
E previsível.
Negra.
A viúva.
Pereça, agora!

L P

O sol esquenta o lado A
A areia esquenta o lado B
Se a agulha da vitrola encosta
Do jeitinho certo
A onda sonora ocorre em crescendo...

Zerada

A folha em branco
É a ausência de cor
De conceito
E de impedimento
É a prova
De mil possibilidades
Deliciosas...

domingo, 1 de março de 2015

Gratidão

Aquele abraço aos amorosos
Nos quais os outros
Confirmam a existência
E fragilidade
Nos ajudam na queda
Nos refrescam na febre
Nos aliviam na dor
Nos sopram as feridas
Contam estórias
Para nos distrair
Remendam o nosso coração
Com fios de empatia
E bem querer
E comemoram
A nossa superação
Ignorando, muitas vezes
De propósito
(Para melhor servirem)
Os puídos das suas próprias vestes

Dengosa

A carne moída
Dói como se tivesse
Levado mil pauladas
As juntas gritam
"Junta tudo
E joga fora, por favor!"
O cérebro sem sangue
Que está todo escoado
Para cada milímetro
Abaixo da pele
Nas palmas das mãos
Nas plantas dos pés
Na púrpura
E a febre
Que não passa
Mas não traz o delírio
Apaziguador
Pago o preço de
Ser realista
Até na doença
Amaldiçoo
O terreno baldio ao lado
Seus pneus vazios
E seu dono
Ouço o mosquito
Maldito!
Mas nem posso
Fuzilá-lo com o olhar
Porque as
Bolas dos olhos
Também doem!!!!

Sentença

E eu te digo agora
E será esta a minha última
Frase em tua direção
Que a tua punição
(A única à altura do teu erro)
É que para mim
Simplesmente
Não existes mais