quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Sobre quem não era pra ser

Tivesse sido cedo
E eu não tardaria em cair nos seus braços

Tivesse sido óbvio
E eu não teria escondido desviando o olhar

Tivesse sido permitido
E eu não o teria deixado sozinho na calçada

Tivesse sido consumado
Nada me impediria de chorar essa saudade

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Dança

Dança comigo
Como se fosse um vôo
Um pouso
Um abrigo
Um poema

Dança comigo
Como se fosse brincadeira
Uma peça
Um riso
Um faz-de-conta

Dança comigo
Até não haver limites
Até perdermos a noção
De onde acaba o meu corpo
E começa o seu
De onde finda a música
E começa o sonho

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Especialistas

Cansada do equívoco comum dos leigos quanto ao uso apropriado das diversas especialidades da Medicina, e consequente desperdício de recursos do SUS e convênios médicos, aproveito este espaço e a minha credibilidade como médica dublê de escritora para quem quiser ler, em esclarecimento.
Caso tenha os seguintes sintomas:
1 - Olhar a pessoa e não acreditar como ela é linda: procure um oftalmologista. Talvez seja o caso de um exame de refração. Leve uma foto e pergunte se o doutor concorda. Prepare o bolso, óculos está caro, hoje em dia.
2 - Achar que a pessoa tem o melhor perfume do mundo, ficar tonta (ao ouvir a voz da pessoa ou não): otorrinolaringologista é adequado. Um teste de hiperosmia (sentir cheiro em exagero), labirintite, hiperacusia (ouvir em vibrações que não deveria, por não ser um morcego, por exemplo) precisam ser excluídos.
3 - Sentir calor em demasia, arrepios, ter ideia fixa na pessoa, mudar o comportamento perto dela, ter insônia, labilidade emocional e dor na garganta, quando a mensagem em resposta demorar pra chegar: procure um bom clínico geral, ele ou resolverá o seu problema, ou encaminhará pro ginecologista, urologista, ou até, sem ofensa, psiquiatra.
4 - Por fim, também sem ofensa: se você tem a maioria dos sintomas acima e consegue relacioná-los à chegada na sua vida de um ser único, um evento causador nunca antes experimentado, NÃO procure um cardiologista. Seu "problema" não é cardíaco, ao contrário do que os poetas escrevem. Besteira submeter-se a eletrocardiograma, Holter e teste ergométrico, quando as palpitações, com certeza, fazem parte da resposta fisiológica à paixão. São normais.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Para o A.

"Eu gosto de mulher".
Sorrio divertida ao escutar isso, dito no ouvido, no meio do sambão. Franzo o cenho. Nao era hora de filosofar, mas quem segura a minha mente?
Certeza que o cara em questão gosta... de sexo com mulher. Toda a expressão não verbal já tinha demonstrado. Se é que vocês me entendem. Se gosta de mulher ou não, nunca saberei, porque já não tenho seu número de telefone. Mas, a julgar pelo jeito de outros rapazes por ali, sambando - nada contra - até dou um desconto por ele declarar isso se julgando um achado a favor da minha felicidade.
Digo aqui, então, o que não tive oportunidade de responder na hora.
Mas na minha opinião cara, gosta de mulher o pai que tira o bebê do quarto para a mãe dormir um pouco mais.
Gosta de mulher o filho que reveza com a irmã a função de acompanhante da mãe hospitalizada.
Gosta de mulher quem consegue ser amigo de uma e saber que, por mais liberdade que se tenha, ela não é um homem e talvez não curta receber filminho pornô no celular.
Gosta de mulher o homem que, mesmo com raiva da ex, não a agride, para que ela esteja bem emocionalmente, para cuidar dos filhos dos dois.
Gosta de mulher o homem que entende o pavor que a gente sente quando pede que fique longe, respeita e obedece.
Gosta de mulher quem trocou cartinhas de amor na adolescência que não renderam nem um beijinho, mas se tornaram boa lembrança.
Gosta de mulher, inclusive, o gay que amou uma, só pra descobrir que, na verdade, queria ser ela. E, via de regra, idolatra a propria mãe.
Gostar de fazer sexo com mulher está a milhas de distância de gostar de mulher. Bem aventurados os que fazem os dois. Estão se tornando pouco numerosos.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Sobre cuidar

Hoje, atendendo um casal, a senhora ralhou com o paciente para ele ser mais cuidadoso pra não amassar a camisa. Eu chutei, no meu pensamento, que ele estava mais preocupado com o fato de ter que sair dali com ela direto pro pronto-socorro (por suspeita de uma doença grave nela).
E eu me lembrei daquela música do Léo Jaime que diz "essa é uma linda história de amor entre eles dois". Quantas viagens terão feito juntos ao médico? Ele preocupado com a saúde dela, ela com a sua camisa. E dos tecidos, vincos e vínculos só Deus ainda não perdeu a conta.

Superlativa

Porque quando você começa a vislumbrar
Eu já tenho o roteiro pronto
Enquanto você parte pro mar
Eu conto as moedas do tesouro do fundo dele
E onde você é garoazinha
Eu chovo um lago inteiro

domingo, 11 de dezembro de 2016

Descompasso

Descompasso

Foque!
Ele bravo
E eu ria
Eram borbulhas de champanhe
O que eu sentia

Me repreendia
Faltava sintonia
E eu me apoiava
Nos braços dele

Foque!
Ele bravo
Era só o toque o que eu queria
O meu indicador direito
No lábio inferior dele

Provocação

Que divertido deve ser saber que o meu olhar se volta na sua direção quando você quer
E que alegre deve ser ter certeza do encanto que você me causa
Só espero que você esteja pronto para surpresas
Porque cobras não têm asas
Mas felinas têm garras retráteis

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Auto análise

Talvez eu tenha algum tipo estranho de autismo emocional que filtra as emoções e me protege de um bocado de sofrimento.
Talvez seja um daltonismo que não vê a maldade óbvia porque não tenho estrutura para a feiúra do mundo real.
Tanto faz. Abraço as minhas lembranças e quem as deu carrego no estofado macio do ventrículo esquerdo. Agarradinhas nas cordoalhas, chacoalhando num ritmo de samba de crioulo doido.
Porque se fosse pra embarcar na neurose dos outros, eu não precisava ter formado opinião nenhuma a meu respeito. E eu sou um amor de pessoa. Quem não gosta de mim é que tem problema.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Sobre Saudade

Não morreu Maria com Cristo
E com Sua ressuscitação não cessou seu pranto
Seguiu chorando de saudade
Enquanto ajudava a criar netos, bisnetos e tataranetos
Juntava as lágrimas em terços
Infinitos perfilados benditos
Que deram a volta ao mundo
Setenta vezes sete vezes sete vezes sete

domingo, 27 de novembro de 2016

Dia e Noite

Tem dia que a gente acorda divertida
Sai pra passear
Assiste um filme
Vive um bocado

Tem noite que a gente está meio abusada
Toma coragem
Mata a curiosidade
De um condenado

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Término

Um dia você chegará
E estarei ouvindo mais
E sorrindo menos
A casa estará perfumada
E eu o colocarei no colo
Cherarei seu cabelo
E massagearei seus pés
Beijarei suas mãos
E darei um presente
Um dia você chegará e perceberá
Que a sua vez acabou

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Sobrenome

Um dia, eu encontrei uma amiga de infância e o marido no shopping, e fui apresentada. "X, essa é a Arlete". Ele sorriu, na hora: "a Arlete do Fulano?" Ela ficou sem graça e desconversou. Eu ri. Fulano era um grande crush meu do qual ela bem sabia, e obviamente eu estava muito curiosa sobre o porquê de ele estar me chamando de "a Arlete do Fulano". Porque este é um sobrenome que me agrada.
Conversa vai, conversa vem, muito espontâneo, ele acabou contando que a vida os aproximou do Fulano, que falou muito bem de mim, e cujos olhos brilhavam, ao fazer isso.
Toda vez que eu encontro esse casal, tenho vontade de dizer pra ele: "Lembra de mim? Eu sou a Arlete do Fulano." E é claro que ele sabe quem eu sou. Eu só quero repetir a ideia.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Ana e o Rei

No ótimo filme "Ana e o Rei", com Jodie Foster, ela é uma professora inglesa que vai à Tailândia, na época Ceilão, ensinar os filhos do rei. Num diálogo com uma das concubinas, no dia seguinte à noite de núpcias, essa conta que acreditava, porque o pai dizia, quando criança, que o rei era capaz de fazer a chuva parar ou começar. E então ela dá um olhar triste. Ana pergunta: "E agora?" "Agora, ele é apenas um homem".
Acho interessante a nossa necessidade de enfeitar, dignificar, colocar um ar mágico em certos aspectos da vida, certas profissões, transcender alianças, torná-las abençoadas, para acreditar mais. Faz sentido, em se tratando de religião, e durante a infância e a adolescência, mas algumas pessoas levam ao extremo, a vida toda.
Mas "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Eu prefiro um rei homem a um que faça chover. Aliás, precisa nem ser rei.

domingo, 20 de novembro de 2016

Reflexão

Não existe "desperdício de amor". Existe desencontro de intenção, de interesse, de momento na vida, de fase, de planos, nunca de amor. O sagrado fica e é aproveitado. Lindo e positivo.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Trégua

Aprecia melhor a paz
Quem viu o reflexo do sol no escudo do inimigo
E da lua na adaga antes de sentir o cheiro do próprio sangue
Esses molham a bandeira branca com lágrimas de alívio
(Porque se não fosse pra guerrear, eu nem tinha nascido)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Piano

As coisas mais lindas
Inalcançáveis
Inesperadas
E livres

As íntimas
Verdadeiras
Sinceras
E viáveis

São vividas a sós

A cada um cabe achar as notas de seu próprio coração

sábado, 12 de novembro de 2016

Noite

Hoje, a noite é de pausa
Serena, melancólica
Aliviada e chorosa

Hoje o amor manco lamenta
A cegueira do amado
Querendo arrancar-lhe os dentes
Num único soco

Hoje a sopa de letrinhas da ceia
Que forma a palavra "alegria"
Vai ter que ser batida no liquidificador
Pra vencer o nó na garganta

(Porque o amor tem tantos defeitos quanto a natureza humana)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Arte

Ao invés de se lamentar não respirar embaixo d'água
A gente imagina
Ao invés de chorar não ter asas
A gente sonha
Ao invés de se lamuriar por não viver pra sempre
A gente escreve
Ao invés de se limitar às palavras
A gente dança
E ao invés de encarar a pequenez humana
A gente tenta amar direito

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Beijo

Um dia eu vou te dar um beijo
Vai ser do tamanho da saudade
Do comprimento da distância
Da altura do tesão

Vai ter a profundidade do bem querer
E a densidade do riso teu
Vai ter infinitos "ês"
E a duração da minha espera

(Um beeeeeeeeeeeeeeeijo
De te tirar o fôlego)

Chuva

Todo fim
Sim
Deveria ser assim
Com cheiro de terra molhada
E canto de passarinho aliviado
Com margarida pingando pequenas lágrimas
E cachorro rodando o corpo pra se secar
Com arco-íris cruzando o céu
E varal pedindo roupa pra pendurar
(Mas após tornados
A contabilização é de outro tipo)

Casulo

Eu vou providenciar para que não sinta frio
E, de novo, para não sofrer com o calor
Eu vou abraçar e beijar e decorar o seu cheiro
E depois soltar
Para que você possa ser feliz direito
(É assim que eu escrevo uma história de amor)

domingo, 6 de novembro de 2016

Concêntrico

É por você que os passarinhos disputam quem canta melhor
E a lava sai do centro da Terra para encontrar seus olhos
As flores se empenham no melhor perfume
Atraem abelhas na ilusão de chamar você

As borboletas suspiram não serem mais coloridas
Porque, distraído, você não dá atenção ao seu balé
O sol se exaspera quando você entra em casa
E a lua chora por você dormir escondido dela

Quero dizer
Não tenho certeza
Mas para mim, deveria ser assim

Leveza

Existe uma densidade sadia
Para envolvimentos
Pertencimentos
Desenvolvimentos
Relacionamentos

É o peso da existência
Dividido pelo prazer
Do acolhimento
Do enlevo
Do encantamento

É uma balança ultrasensível
Para quem espera pouco
E valoriza a leveza
(Quando se quer arte
Refuta-se o concreto)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Aposta

Há risco
Arisco
É o traço do destino
Rabisco
Desenho
O nosso desatino

Disfarça
Não faça
Bobagem, menino
Um erro
Um deslize
E saio de fininho

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Fenômeno

Na minha vida, ainda chove
Fino, ou forte
E por tempo variado
Molha pouco
Seca rápido
Às vezes nem guarda-chuva abro
Mas encharcar igual você:
Pouco provável
(Uma tromba d'água por encarnação)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Passarinho

Eu posso te dar
Um pouco do tempo
Que roubei pra chamar de meu
Eu posso te olhar
Como se mais nada no mundo existisse
Fazer carinho no cabelo teu
Eu posso escutar
Tuas histórias e medos e risos
Torná-los memória minha
Eu posso te embalar
Por uma noite ou pouco mais
Tornar-nos temporariamente "nós"
(E nada mais posso te prometer)

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Gravidade

Poetas conversam
Com a lua e nuvens
Pássaros e borboletas

Poetas desejam
Ser surdos aos gritos
Dos seus próprios pés
(Plantados no chão)

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Pedido

Se for rápido
Que seja triunfal
Que deixe a memória
Do efêmero que vinga

Se durar um pouco mais
Que seja doce feito mel
Que marque o pensamento
Com o quanto valeu a pena

E se for para sempre
Que nada nos faça mal
Que o amor costure o momento
E a eternidade seja pequena
(em comparação)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Anjo Mau

Com você piso em solo estrangeiro
E a sua linguagem me é estranha
Exceto na hora de amar
Você julga bichos como humanos
Desconsidera a moralidade cristã
Mas parece estar sempre a pregar

E frente a isso e talvez por isso
Pessoa como você
Certamente nunca mais haverá

sábado, 22 de outubro de 2016

Dançarino

E não tem a ver contigo
Tem só a ver comigo
Com o que quero pra mim
Que encontro em ti

E se por um lado
Não gera garantias
Porque o poder que eu te dou
Pode ser tirado a qualquer hora

Será belo e celebrado
Concreto e palpável
Não importa o quanto dure
Um evento a ser lembrado
(Só isso eu prometo)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Boca

O batom certo na boca da gente
Ilumina
Enfeita
Amacia
Colore
Perfuma
Aumenta a auto-estima
(O beijo também)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

De A a Z

Eu adoro me encantar com a vida
E beijo só quando quero amar
Eu cuido de quem chega todo dia
E me dôo pra quem sabe esperar

Eu estendo a minha alegria
E fujo da declarada maldade
Eu gozo com e sem companhia
E honro a minha verdade

Eu ignoro o que não vale a pena
E jogo com quem sabe brincar
Eu luto para não ser pequena
E manter a pureza do olhar

Eu me nego a perder a esperança
E me oponho a só existir
Eu pago o preço pela dança
E quero o melhor que há de vir

Eu rezo, mas sem muita fé
E sei das minhas imperfeições
Eu as trato com paciência
E uno açúcar aos limões

Eu vejo como tudo é fugaz
E xingo quando encontro desperdício
Eu zelo por querer enquanto viva
Ser feliz é o meu maior vício

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Prêmio

Aos corajosos o mar
As conchas
A praia
A areia
As dádivas
Aos covardes
As lágrimas
(Quanto maior a aposta, maior o ganho)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Auto Sabotagem

E o que será do amor
Quando chegar?
Por acaso encontrará
O seu olhar no passado
A sua mente sombria
A sua língua dormente?
A culpa na garganta
O aperto no peito
O chicote na mão?

Responda-me: o que será?
De quem bater na porta cerrada
Com mel nos lábios
E ternura nos olhos
Terá você já se punido o suficiente
Pra se sentir merecedor?
Responda-me:
O que será do amor?

Tempo ao Tempo

E a ideia de hoje é: espera
É o que a gente faz
Espera pra nascer
Espera crescer
Espera florescer
Não quebra o ovo quando quer pintinho
Não semeia a terra durante estiagem
Não arranca pássaro do ninho
Aguarda o ônibus se precisar
Aguarda na fila se isso ajudar
Aguarda alguém pra acompanhar
Então, se isso convém, espere
Por dias melhores
Por novas propostas
Pela declaração
Existem coisas boas
Que não pertencem ao hoje
Mas certamente chegarão

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Natureza

À jardineira foi dado o dom da intensidade
Cores, cheiros, toques: a vida
Mas chora a camélia que morreu
Não a consola ser muito mais bonita
Não se conforma com o belo não ser eterno
Vive então nessa eterna maldição
Os extremos a encantam, mas falta-lhe a aceitação

A Bruta Flor

E a ideia de hoje é: "queira!"
Você é do mar? Queira o ar.
Você é da roça? Queira a montanha.
Você só anda? Queira correr.
Queira se achar que tem chance.
Queira também se não achar.
Queira se souber dos detalhes.
Queira se descobrir for a melhor parte.
O homem criou o avião porque quis voar.
As crianças existem porque adultos querem se pegar.
Vocês lêem meus devaneios porque sinais de fumaça não bastaram
Nem batucadas
Nem cartas
Nem telegramas
Nem telefonemas.
Porque alguém quis mais.
Então queira.
Arriscando a se frustrar.
Queira e mexa-se
Arriscando a se cansar.
Queira o querer forte
Aquele que desafia a morte
Aquele que só sabe imperar.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Medo

Medo de voltar a escrever
Sobre frio e falta de esperança
Sobre navalha na carne
E dúvidas e dívidas
Pagas dez vezes sem abatimento nenhum

Medo de voltar a pensar
Sobre abandono de criança
Sobre machadada em árvore
E sem fôlego e trôpego
Caminhar sem chegar a lugar algum

(Medo dos motivos)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Amante

Entrega pra namorada
O plano, a aliança, o engano
O amor de fachada

E me traz, condenado
As histórias, o riso
O corpo moreno
E o pouco juízo
(Seus melhores momentos ainda são ao meu lado)

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Tempo

Enquanto eram carne
As carnes se entendiam
Pele, pêlo, boca e cheiros

Enquanto era pouco
O pouco nos bastava
Riso, música, poesia, novelo

Mas o tempo enfeitiça
(Segue bobo, cabra-cega)
Vão é o jogo de faz-de-conta

A verdade não se nega
Se deu saudades, se doeu
Seu amor agora é meu

domingo, 25 de setembro de 2016

Oásis

Eu só quero me deitar de barriga pra cima
Reproduzir o oásis onde não existem problemas
Escutar uma músicas nada a ver comigo
E acariciar umas costas morenas
(Eu só quero que seja você)

Insatisfação

Às vezes dá vontade de querer diferente
Mas é o meu velho vício
Das veias pedindo um novo desafio
Que eu quebraria entre as coxas
Com estalo de nozes se abrindo

Às vezes é a água parada que me dá náuseas
A falta de drama do tipo que eu gosto
Talvez a cobiça de defeitos dos outros
A loucura à qual nunca me permiti
E da qual eu fujo

Talvez seja mesmo ingratidão à vida
Que me deu todas as armas de que preciso
Menos o óculos da obviedade
Que me mostraria que tudo está tão perfeito
Quanto poderia estar (palmas para mim)

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Desejo

Eu não preciso de você pra pagar as contas
Nem pra apoio moral
Não preciso que me ajude com as crianças
Nem que pendure o meu varal

Eu não preciso que você me elogie
Nem ao menos um "bom dia"
Você não me ajuda quando eu estou cansada
Nem quando entro em alguma fria

Mas eu quero você com todas as forças
E você também me quer
Porque na hora de ser homem
Eu sei ser a sua mulher

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Órbita

Eu volto, meu lindo
Como volta a primavera todo ano
Pra desabrochar as flores
E os beijos da sua boca

Eu volto, meu lindo
Porque orbito o seu querer
E a sua gravidade me chama
E é escuro longe de você

Você volta, meu lindo
Porque branca é a sua cor preferida
Porque tem boa memória
E é tão bom a gente se ter

sábado, 17 de setembro de 2016

Busca

A roda da fortuna
Tão rapidamente girou
Tão rapidamente feriu
E pra longe te levou

Deixou a sede
A fome, o frio
Deixou o vazio

A roda da fortuna
Gosta de rir dos infortúnios
Só esquece às vezes
Que os sobreviventes se buscam

(E se encontram no meio do caminho)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Sincero

A pupila dilatou umas vinte vezes
E o nariz gostou do que sentiu
O abraço encaixou gostoso
A imaginação gostou do que ouviu

Vem me fazer parar de salivar, agora...

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Seletiva

A minha saudade é traiçoeira
E trabalha contra mim
Tem memória seletiva
Apagou a parte ruim

Manteve o doce
O delicado
Traz para o presente
O nosso passado

A minha saudade é teimosa
Pinta tudo de cor-de-rosa
Expande o vazio que ficou
Chora o nada que restou

(Só não admite que o silêncio existiu
Muito antes da sua partida)

domingo, 11 de setembro de 2016

Meteorológica

Meteorológica

Prevejo que chega essa semana
Uma frente fria de saudade
E vou ter que chamá-lo
Pra chover carinho em mim

Perguntas

Como foi pra você
Descobrir que eu tenho limites
Que o amor pode virar ódio
Ou, pior: indiferença?
Como foi?

Como foi pra você
Tentar me substituir sem cerimônia
Pisar na minha garganta enquanto eu estava caída
E me ver levantar sozinha?
Como foi?

Como foi pra você
Ver que eu estava certa o tempo todo
Que por mais que as vontades tenham coincidido (temporariamente)
No fim éramos o que éramos:
Apenas dois seres humanos, não melhores que os outros
Como foi?

E antes que me pergunte: pra mim não foi surpresa
Eu já tinha visto leite azedar antes

domingo, 4 de setembro de 2016

Dia D

Nessa distância danada
Nesse desejo desvairado
Nessa dádiva endoidecida
Nessa dúvida adiada
Fluímos nós dois
Divinamente
Dedicados

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Dualidade

Dualidade

No âmago é sensível
E busca o belo
Artístico
Poético

Boa em harmonizar
Palavras
Desejos
Devaneios

Mas na real
É apática
Impressionável
E desleixada

(Faz aliança com os perversos)

Sugestões

Receita para pegar no sono: finge que está dormindo. Fecha os olhos, aquieta a mente, fica imóvel. No começo, vai parecer forçado. Mas quando você menos esperar, está sonhando, e dali a pouco o relógio desperta para um novo dia.
Receita para esquecer alguém: finge desinteresse. Não para ele. Finge que nem se importa se ele nota ou não. Não faz contato, não fala sobre ele, não fica vendo fotos, ouvindo músicas, indo a lugares que lembram vocês. No começo, vai parecer artifcial. Mas quando menos você esperar, é só uma pessoa a mais na face da Terra.
Só que existe uma coisa chamada insônia. E gente inesquecível. Não desaparecendo os sintomas, procure um médico. Ou um psicólogo.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Adeus

Não vais cedo
Não vais tarde
Vais na data exata
Do prazo de validade

A essa altura nem me importo
Que me lembres ou me esqueças
Mas oro de coração
Pra que a outra não te enlouqueça

Cais

Na beira do cais
A sua solidão
Encostou na minha
E já era hora
De cuidar de mais alguém

Mãos entrelaçadas
E no coração a paz
Nunca antes existente
A de finalmente
Ser cuidada

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Padeiro

Padeiro

Apesar da sua boca torta
Me amarrei na sua cor de café expresso
Era só você chegar no balcão
Meu céu virava o de brigadeiro
Você pra mim era um pão
E eu só no sonho
Um suspiro atrás do outro
Eu o chamei pra minha cobertura
Pra experimentar baba-de-moça
Talvez até umas coxinhas
E você me deu o bolo
Agora tenha juízo
E use o miolo
Não apareça na minha frente
Se não quiser levar bolacha

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Marítima

Não me olhou de pronto
Não me olhou nem de canto
Minha alma ferida
Caprichou na cantiga

No mar fui deixando
Minhas lágrimas em rastro
Mas acabou por chamar meu nome
Seguramente amarrado ao mastro

Para Raul Drewnick, que mostrou ter juízo.

domingo, 21 de agosto de 2016

Universo

Carrego tantas lembranças
Num universo sem fim
Algumas vívidas, outras quase transparentes:
Borrões dentro de mim

Carrego tantos amores
Gente que não envelhece na memória
Alguns sabem, alguns desconfiam
Outros não entraram pra história

Carrego critérios dos quais não sei
O que marca, o que não
O que separa um tipo do outro
O que é premiado do que tudo tenta em vão

E acho mesmo muito justo
Que seja assim para os outros
Para alguns sou diamante
Para outros, vidro fosco

A vida segue como deve
Em multitude de cores
E amanhã e os outros dias
Trarão novos sabores

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Falésias

Hoje eu acordei
Na imobilidade morna das falésias
Que vêem areias sendo arrastadas pelo azul
E se perguntam se sua vez chegará

Hoje eu vivi o dia
Com a beleza entediante
Da paisagem de tirar o fôlego
Que lhes é imposta por ora

Hoje eu vou dormir
Pagando o preço de minha natureza
Agradecendo o privilégio-praga da consistência
Que aparenta durar até o fim do mundo

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A Última Paixão

Era mais que amor
Era uma febre visceral
Uma gagueira de incongruências
Uma tempestade química
Ou talvez nem fosse

Era mais que um homem
Era o encontro de expectativas
Um poder descomunal
Um mistério inominável
Ou vai ver nem era

E éramos muito
O casal do poder
Os anjos do bem
A mão do destino
Ou pura arrogância patética

Deus me livre
Amar e desejar daquele jeito
De novo

Leilão

Preço é uma coisa
Valor é outra
Minha plaquinha deixo descansando no meu colo
Espera o próximo lance
Certeza que a outra te quer muito mais

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nunca

Parecia resposta a prece
Eu só esqueci que não rezo
Tolice de quem acha
Que a vida nos deve alguma compensação

O contrato era perfeito
A ilusão da transparência
A lama habitava o outro peito
Os meus pés eu sempre enxerguei

Amar é privilégio dos fortes
E a si mesmo é raridade
Às vezes a sinceridade
Só chega quando o ódio explode

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Salvador

Você mar
Eu praia
Seu destino é me alcançar
Você invade
Sem pedir
Eu me deixo inundar
Recolhe suas ondas
Eu me rarefaço
E o espero voltar

Único

Só você
Me canta
Me encanta
É a quem
Eu quero bem

Só você
Me beija
Me cheira
Me esfrega
Só você me tem

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Carreira

Um dia meu avô me sugeriu
Largar os estudos
Aprender a cozinhar
Minha mãe riu

Um dia ela me viu
Canudo na mão
Portas abertas
Um mundo a conquistar

Um dia meu avô ficou doente
E me conheceu melhor
Eu não o alimentei
Mas pra mim ele tirou o chapéu

Regras

Não precisa ser meu
Meu amor
Meu amante
Meu namorado
Não vai ganhar título
De mim

Não precisa me vigiar
Não há posse
Nem pertencimento
Um ao outro
Só a entrega
Ao momento

Só precisa ser homem
E vir com coragem
De saber o que quer
Pronto pra receber
O que eu trouxer
E o que eu der

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Amigo

Ele tem os olhos daquele verde que só aparece num dia ensolarado. E me distrai da conversa. Os olhos de um tio amado meu. Eu pularia dentro desse verde e daria umas boas braçadas estilo borboleta. Eu me aproveitaria desse amor. Se não o amasse.
E as décadas passam e nada muda.
Às vezes, eu penso que o confundo com o meu tio. Ao achar que ele classificaria qualquer desatino meu como criancice, e seguiria me orbitando. Com a diferença de que nunca me viu como criança. Nem mesmo quando éramos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Desorientado

Pode perder
O rumo
O prumo
A identidade
O trem

Pode perder
A carteira do clube
O juízo
A hora
A cabeça
Todo vintém

Pode perder
A memória
Parcial
O jogo crucial
A noção
Do bem e do mal

(Só não perde o número do meu telefone)

Sobre os Motivos

Os meus olhos o celebram
Eu acho você bonito
E é simples assim

Você me faz rir
Eu gosto das suas histórias
E é simples assim

Você me aquece
Eu gosto do seu abraço
E é simples assim

Você me manda mensagens
E nessa hora gosto de saber
Que você pensa em mim

Um casal impossível
Uma amizade improvável
Eu gosto das nossas diferenças
E é simples assim

domingo, 7 de agosto de 2016

Escritor

Porque o corpo que me pesa
Finca as minhas raízes no chão
Fome, sede, frio, contas
Sol, chuva e furacão

E o que me chama às nuvens
É etéreo, fugaz comichão
No que desafio a gravidade
Alcanço vôo em sofreguidão

Meliante

A alegria e o desejo me assaltarão
No dia em que você voltar
E para o alto minhas mãos irão
(Para o meu vestido você arrancar)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Trajeto

Ele fala aos borbotões e não se interessa se eu gosto do assunto ou não. Ou melhor, dos assuntos. Pula de um para o outro da mesma maneira que o demônio da tasmânia deve devorar um quitute após o outro. Igual criança: caramujo, borboleta, mar, lua e estrelas"...
E eu o ouço, enquanto dirijo "o carrão", que já determinou-se que só serve para podermos ficar juntos.
Vez por outra, quando ele está recuperando o fôlego, tenho a chance de dizer a minha opinião. Ou contar uma história. E ele me ouve. Não sei disso por ele falar muito a respeito, na hora. Mas pela maneira com que toca no assunto semanas, às vezes meses depois, mostrando que ficou digerindo a informação igual a uma piton apaixonada. Suponho eu.
Já cheguei a estar com a bexiga estourando, e tive que interrompê-lo para ir ao banheiro, pedindo que ele segurasse o ponto em que parou, e ele continua com a mesma eloquência de antes.
Talvez por isso o silêncio soe estranho.
Espero que por isso.
Tem que ser isso.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Ampulheta

No tempo
Em que o teu passatempo era eu
O meu "para sempre" era tu

No tempo
Em que o teu parapeito era meu
Todo o meu eu não te bastou

No tempo
Em que o tempo de me amar me alcançou
Todo o teu choro não me comoveu

sábado, 30 de julho de 2016

Artista

Da arte
De cuidar de si
E de Deus e o mundo
Como se fosse tudo seu assunto
O meu menino sabe

Da arte
De raspar o prato
E comer todo o disponível
E agradecer até o sem sal
O meu menino sabe

Da arte de falar "até logo"
Se despedir como se fosse "adeus"
Não lamentar o que não se garante
E tornar o momento feliz
O meu menino sabe

(E finge não saber que eu gosto dele).

Diamante

O carro voltou da oficina
Tem que pagar o restaurante
A gata vomitou de novo
Uau, ele fica bem melhor de barba!

Precisa buscar o remédio na farmácia
Levar o cobertor na lavanderia
Vou mandar uma mensagem pra ele rir
Onde mesmo eu guardei os ingressos?

Aliviada, a cirurgia foi marcada
Dia de fazer as contas do mês
Vou deixar as crianças dormirem até mais tarde
Quem é esse desconhecido no Whats?

Ajusta aqui, sorri dali, de olho no relógio
Planeja, se parabeniza, aguarda, interage
É a vida rebolando pra fazer feliz
Essa alegria de equilíbrio: multifacetado

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Pergunta

"Mas, afinal, amar é o quê?"
Sabe quando você ouve uma música, e tenta lembrar de outra, e não consegue, porque a atual preenche todos os cantos do seu cérebro?
Para responder àquela pergunta filosófica, ela precisaria pensar em outra pessoa, outros tempos, a outra que ela mesma tinha sido. Com mais fé, boa vontade, expectativas e sonhos.
Desistiu logo. Certamente o que perguntava sentia o mesmo que ela, por ele, mas nunca havia sentido o que ela tinha sentido, antes. Por outro.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

... E Chocolate

Se eu quiser chamar de romance, eu chamo
E você não tem nada com isso
Pinto a vida com as minhas cores
Incremento, aumento o viço

Não tem expectativa não, baby
Deixe a vida que se ajeite
Vou curtindo enquanto acontece
Esse amor café-com-leite

domingo, 24 de julho de 2016

A. B. C.

Àquela altura, eu tinha 19 anos e ele, 23. Ousou trazer uma garrafa de vinho, que dividimos em canecas de porcelana, porque eu morava numa semi-república, e nunca fui de beber, mesmo. Não tinha taça, e não fez falta.
E aí pudemos dar os beijos que não demos 6 anos antes, quando a madrasta dele disse para a minha tia que ele gostava de uma das sobrinhas dela, e eu achei que, obviamente, só poderia ser a outra: a morena de beleza exótica, que era vizinha, mas também a chamava assim. Mas na travessia da balsa, a minha tia apontou para a minha cabeça, e ela fez um sinal de positivo, e eu achei que fazia muito sentido, porque a gente tinha, mesmo, conversado sem parar, na beira do palco do Teatro Municipal de Santos, sobre como as nossas famílias eram tribos, e bater papo já era o meu forte, naquela época. Eu também tinha desconfiado que quando ele dava caldo na irmã, no mar, era para me fazer dar risada e nadar até lá para salvá-la e chegar mais perto dele. Pobre ruivinha.
Daí ele resolveu dizer que eu atraí a atenção dele desde o começo, e eu, com essa minha memória e sinceridade irritantes, contei que não, não tinha sido assim. Ele ficou muito sério e esperou a explicação. O fato foi que na virada de 1983 para 1984, ele estava com o único irmão que tem lá na Escola de Samba X-9, e eu o paquerei insistentemente, e fui total e completamente ignorada. Nem uma única olhada me deu. E contei como eu tive vontade de chorar, porque eu sabia da superstição de que tudo o que acontece na virada do ano vai acontecer em todos os dias do ano. E eu acreditei sinceramente, e com tristeza, que seria esnobada pelos meus paqueras pelo resto do ano.
Ele riu e a nossa história não terminou por ali. E eu nem sei se terminou, ou se ele vai continuar como tantos dos meus amores, que parecem pedras que são jogadas com força num lago, que quicam várias, várias vezes, em espaços variáveis de tempo, até pesarem para alcançar o fundo, onde nunca serão esquecidas, A não ser que Deus o liivre, o Alzheimer chegue, mas ainda terão uns quarenta anos para render histórias. E poesia.

sábado, 23 de julho de 2016

Caleidoscópio

Existe um caos inerente à vida
Que alguns abraçam
E nele até se viciam
Alguns fogem como se dor fosse
Outros administram como podem

Vem com sentir, querer e se frustrar
Planejar, ver escapar, se deixar levar
É encarado com graciosidade por alguns
E desespero por outros, insegurança

Tem gente que se nega a ver
E se agarra a algo, uma esperança
É a garantia de nada
O controle de muito pouco
A incerteza da maioria das coisas
A doutrina do "sei, mas não tudo"

E palavras como "sempre, nunca, sim, não"
Talvez nem devessem mesmo existir
Porque há um caos inerente à vida
E absoluta, mesma, só a morte
(E talvez nem ela)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Limeira

Essas ruas pelas quais você anda tão displicentemente
Me viram chegar de longe - eu e meus irmãos
Jogos de queimada e bolhas de queimadura nos pés
Corridas após tocar campainhas e raladas de joelho
Revezamento em bicicletas e acidentes por falta de freio
Carrinhos de rolemã
Brincadeira de polícia e ladrão
Pipas feitas com farinha de trigo
Cana-de-açúcar puxada de caminhão com a conivência do motorista
Amarelinhas feitas de giz e bate-boca que pisou/não pisou na linha
Roubo de skate
Os primeiros selinhos entre a molecada
Os bailinhos de garagem
A gente alugando patins de quatro rodas no clue
O dia em que eu abri a janela enrolada numa toalha bem na hora em que passava um ônibus com um time de futebol
As ruas ouviram os aplausos e também as fofocas sobre o divórcio dos meus pais
Talvez as ruas tenham chorado
A minha partida no dia do meu aniversário sem a minha mãe
E visto os amigos que chegaram para a festa e encontraram a porta fechada
Esses paralelepípedos que você pisa indo para o trabalho
(Sorrindo contente por ter me conhecido)
Sabem o meu nome de cor
E talvez até estejam felizes por nós

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Desabafo

Lágrima de mãe não rola por pouco motivo
E nem por muito tempo
Surge por dor, medo, desespero
Saudades, mal entendido
Às vezes emoção intensa
Às vezes um desejo atendido
Mas a lágrima de mãe mais frequente
Só tem o chuveiro por testemunha

Misteriosa

E quem é que sabe
Lá pelas tantas
(E depois de tantos)
O que ela quer - ou deixa de querer
E se no que ela fala
Tem discernimento

E quem é que sabe
Lá no íntimo
(E depois dos solavancos)
O que ela encara - ou deixa de antever
E se do que ela cala
Tem entendimento

E quem é que sabe
Lá na fonte
(E depois da seca)
O que ela jorra - ou guarda para o próximo
E se o que ela planeja
Tem cabimento

sábado, 16 de julho de 2016

Gente

A minha vida tem gente que volta
Porque tem boa memória
Pro que houve e foi bom
Mas volta procurando a fonte
E continua com pouco
Pouquíssimo ou quase nada
A oferecer

A minha vida tem gente que volta
Porque tem memória seletiva
Pro que foi ruim
A negligência, o abuso, o descaso
E volta procurando a fonte
Pra recolher juros e correção
Do investimento que nunca fez

E a minha vida tem daquela gente
Que é gente, mesmo
Feita da minha matéria
Que o mar bateu, lavou, castigou
Mas nunca nem cogitou
Ir embora e me deixar sozinha
Pra eles a fonte nunca seca

Ame-se

Bom dia pra quem se ama tanto, que se dá um plano para o futuro, e tem a paciência de fazer o que é necessário para atingi-lo. E é feliz e esperançoso durante o processo todo.
Bom dia pra quem se ama tanto, que cuida de si mesmo, seu corpo e sua alma, porque a convivência consigo tem que ser harmoniosa.
Bom dia pra quem se ama tanto, que dá para si mesmo de presente: bons momentos, boa companhia, e a descoberta do diferente - para apreciar ou escolher se afastar.
Bom dia pra quem se ama tanto, que acaba transmitindo as mensagens para os outros: "eu valho o seu amor" e "eu sou capaz de amar você".
Café porque hoje é sábado e um pouquinho menos previsível do que os dias da semana.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Passatempo

Eu quero

Um amor entretenimento
Tipo máscara de Carnaval
Tipo pipa solta ao vento

Como ópera que não dói
Como pluma que não cai
Como brisa que tocou

Eu quero um riso que ecoe
Um grito que me acorde
Um cantor ao meu ouvido

Um brinde do destino
Um pecado, um desatino
Um amigo, um menino

Que encoste sem atracar
Seja só um barquinho a velejar
Que deixe saudades ao se afastar

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mãezinha

Ela tem centenas de histórias dele criança
Eu não tenho uma dúzia das dele adulto
Mas as trocamos mesmo assim
Ela me promete doces
Eu lhe prometo preces e uma visita
Ela suspira de lá
"Que saudades dele"
E eu suspiro de cá
"Que saudades dele"
E eu a admiro de longe
(Sobreviveu ao meu pior medo)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Colegas

Eu me lembro vagamente de que ele morava perto da minha melhor amiga.
E às vezes eu tocava a campainha dele.
Lembro da gente embolado na cama embaixo da janela pra ele ver os cravos do meu rosto melhor. Espremia sem dó e dizia uma frase que só não revira estômago de cirurgião. E a gente ria.
Ele era um cavalheiro e eu o admirava por isso. Mas talvez apenas tivesse muita consciência de que eu era menor de idade (fui, na maior parte da faculdade).
E a gente se beijava muito.
Eu não sei se ele se lembra disso. Sobre certas coisas, não se conversa depois de 30 anos de águas por baixo da ponte.
Mas, vez ou outra, eu vejo a foto dele no Facebook e me lembro que passei a noite sonhando com ele.

domingo, 10 de julho de 2016

Enquanto Dure

Vou celebrar cada chegada
Mas não chorar a partida
Porque a primeira é sempre uma surpresa
E da segunda eu nunca tenho dúvida

sábado, 9 de julho de 2016

Normalização

Não adianta negar
Quando a raiva passa
A poeira assenta e esculpe o seu rosto
O ar pede o seu cheiro
A boca clama pelo seu gosto...

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Genética

A minha memória celular tem mar
Canoa, rede, peixe, facão
Um avô que falava tupi-guarani
Uma mãe que come até o olho do peixe
Tios Yara, Ubirajara, Potiguara
Primos Humaitá, Arari, Aracanã

E eu não como peixe com espinha
E não entro em mar acima do umbigo
Morro de afliçao se alga encosta
Não quero encher o carro de areia

A minha memória celular tem roça
Gente que sabe a diferença entre rúcula e agrião
Planta, torra, mói, coa café
Cria galinha, nomeia, mata pra canja
Planta cana, espreme garapa
Monta o cavalo no pêlo

E eu gosto de farmácia perto
Supermercado, quitanda
Frango congelado na bandeijinha
Cavalo solto, só pra olhar

E de onde foi que me veio
Que meu habitat tem tetos altos
Mil bactérias e cheiro de álcool
Sofrimento e alívio
Nascimento e morte
Primeiro grito e último choro

Seria da tataravó parteira?
Algum pajé caiçara desconhecido?
Não sei, me basta ter encontrado
Meu próprio caminho feliz

Constância

Às vezes, tudo está tão bom que você não quer mudar uma vírgula, com medo de desandar.
Daí, vem a vida e muda a pontuação do parágrafo inteiro.
E você vê que o sucesso se deve à qualidade dos ingredientes. E não à receita do bolo.

Simples

Boa noite para quem é lindo e transparente de alma, sem saber o efeito que isso causa nas outras almas: as que têm olhos para ver.
Quem encanta sem esforço e cálculo, e dura mais do que se podia prever.
Quem pode ser levado numa lufada de vento, mas fica guardado na memória, por simplesmente merecer.
E que não vai nem ler nada disso, porque está muito ocupado, nesse momento, a viver.

:) Vou ter que decorar e sussurar no ouvido?!

Bom dia

Bom dia para quem sempre encontra um trampolim no fundo do poço!
E quem tem amigos que jogam uma cordinha.
E quem escala paredes bem.
E quem ainda está bolando um plano.
E quem não tem ideia do que eu estou falando.
Café para que a subida seja mais rápida e enérgica que a queda.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Entreaberta

Tanto horário
Consulta
Conta
Mensagem
Problema
Solução

Tanta reunião
Planejamento
Negociação
Estudo
Trajeto
Execução

Só resta
Ao amorzinho
Chegar de mansinho
Silencioso
Como quem não quer nada
Esgueirar-se

domingo, 3 de julho de 2016

Espera

A minha espera
Tem nome e sobrenome
Uma cor linda
E um rosto feito para beijos

Ri fácil
E se cansa pouco
Passeia num universo paralelo
Sem preconceitos e consequências

Manda-me mensagens obscenas
À distância e sorri
Quando eu respondo:
"Não vejo a hora"

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Pipa

Pipa

O dono do meu carretel me solta e deixa o vento me levar
Ele é do chão e eu sou do ar
Me perde de vista e nem sei se pensa em mim
Se tem medo de com outras pipas minha corda se embaraçar

Mas vez por outra puxa o fio pra matar a saudade
E eu sinto a força do que às vezes esqueço que ainda me prende
E fico feliz pela pausa no vôo
E ele diz "me dê todas as suas cores, porque eu não sei a metragem dessa linha, mas hoje eu consegui"

terça-feira, 28 de junho de 2016

Equestre

"Hoje eu quero a paz de criança dormindo..."
Desde que essa criança seja você
Sem camisa, exausto, debaixo de um edredon branco
E eu ao seu lado, sonhando com o meu puro sangue
Sobre um cavalo...

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Fatal

O problema não foi querer
Usar e abusar
Transformar e abafar
O problema foi esquecer
Com quem se estava a lidar

Recaída

Eu tive dúvida
Ele, nenhuma
Colocou o pé na porta
Antes que se fechasse de vez
E assim entrou de novo
Pela fresta...

Molecagem

Status de relacionamento: improvisando
O onde, o como e o quando
Soa a traquinagem
Um ri daqui, o outro fala palavrão de lá
Parece roubo de um tanto de felicidade
De quem não pode nem planejar

Nunca no mesmo lugar
Nunca do mesmo jeito
Sempre o mesmo querer
Sempre no susto, no sopetão
Sempre para entrar na minha história
E virar poesia pra sempre

Árvore

Enquanto eu for uma folha verde
Que toda a seiva da vida
Me inunde de cor
E que eu não inveje a beleza
Da minha companheira ao lado - a flor

Porque a função dela é virar fruto
Mas eu ajudo os amigos a respirar
E ambas estamos fadadas à transformação

Que balançar no galho me seja divertido
Tomar sol e chuva
Me molhar de orvalho
Minha tez mude de cor e seque
Devagarinho pra não me assustar

E quando for hora de me desprender
E ir ao chão para torná-lo mais rico
Que eu tenha a graça de descer bailando
E distrair o olhar do meu lindinho
(E que ele sorria)

A Paz

A paz chega junto com a paciência
A confiança no que já se plantou
A entrega ao tempo do que ainda há de nascer
A resiliência quando tudo é espera
A esperança no que ainda vai existir

Não é constante e nem precisa ser
Não é fácil e nem precisa ser
Não é de graça e nem precisa ser
É exercício de mente e coração
É melodia encontrando a canção

sábado, 25 de junho de 2016

Redenção

Às vezes o encanto
É pura ilusão
E quem é que tem
Perfeita a visão?

Às vezes as palavras
Enfeitam a realidade
E quem é que suporta
Saber toda a verdade?

E se a Salvação
Depende de pura misericórdia
Para que tornar a perfeição
Um motivo de discórdia?

(Os extremos não pertencem ao ser humano)

Território

Ele marca a presença
De longe
Olhos, peitorais, sorriso

Ok, menino
Estou marcada
Boca, coração e costas

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Lindos

Somos lindos quando estamos
Esse tempo que nunca basta
Essa hora que nunca persiste

Somos música quando rimos
Essa sintonia inexplicada
Esse arranjo maestral

Somos doce e salgado
Nessa gula que sacia

Nessa inocência
Que não sabe o mal

terça-feira, 21 de junho de 2016

Memória

Diz que lembra
Da grade
Do apelido
Do sorriso
Do sono
Dos dias seguintes

Do posto de gasolina
Da viagem
Do cinto de segurança
Da bebida nova
Do cobertor
Da dor na bochecha

Do rio
Do riso
Do rosto
Das rodoviárias
Da recarga do celular

Do atraso
Da bateria
Do exame
Da música
Do bilhete de loteria

Do vestido
Da madrugada
Do frio
Das histórias
Da gringa
Do versinho
Do "vai dormir"

Mas principalmente
Diz
Que nunca vai esquecer

domingo, 19 de junho de 2016

Outono

Eu me curei da anemia crônica
E esqueci amores insuperáveis
Enterrei pessoa que ainda me assombra
E abracei causas que nada me diziam

Hoje olho o vasto mundo e sei
Que não conheço toda a maldade
Meu amor não beneficia o quanto poderia
Pulei degraus sem tropeçar, mas cansei

E aos 46, sinto mais uns 100 nas costas
Como folha que já dourou, quando devia ser verde
Mas acabei por aceitar que a gente, no final das contas
É só isso mesmo: gente

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Fluxo

De braçada em braçada
Treina-se fôlego, músculos
Viradas rente à parede

E vencer é factível
Cronometrado, controlado, administrável
Numa paz artificial de piscina clorada

Mas a vida é tsunami
Água ascendente
Correnteza potente

E quando menos se espera
Os pulmões são enxarcados
Numa inundação de perdas

segunda-feira, 13 de junho de 2016

A Mãe de Judas

Nem Deus
Nem o Diabo
Deram-se o trabalho de avisar

Ele era pequenino, miudinho
E inocente
E ela o amou

Segue anônima
Vendo o filho ser malhado
Uma vez por ano

Mereceu nem pena
Pois não se chamava
Maria e nem Maria Madalena

Mas criou (e por isso pagou)
"O" grande filho da puta

(Porque nem todas as histórias são dissecadas o suficiente).

Grimm

Existem histórias de terror
Que não são contadas
Por quem as vive
E chagas que não se expõem
Porque estão enterradas
No âmago das pessoas

Porque nas histórias de fadas
O Bem é só Bem
E o Mal é só Mal
A estrutura linear
Caminha para o final feliz

Mas na vida real
O Mal chega no começo
E no meio e no fim
E o Bem não deixa de existir
Mas não garante a felicidade
De ninguém

domingo, 12 de junho de 2016

Enlace

Uma meia aliança de Lua
Um brilho intenso
Um gesto imenso
Que não fecha e nem estrangula

Um envolvimento
E uma porta de saída
Para quando nosso Sol
Não mais brilhar

sábado, 11 de junho de 2016

Desencontro

E o que eu era de mais lindo
Depositava em tuas mãos
E o que era verdadeiro
Foi o não vivido por nós

Eu esculpia uma vida a dois
Enquanto pintavas um coração
E eu chorava em desespero
Enquanto colocavas as duas palmas para cima

(E dizíamos ao mesmo tempo
"Não é óbvio?")

Para mim era tudo
Para ti era pouco
Mostravas-me teu lado bom
Eu de ti nada escondia

E era sede e saudades
Pedidos e negação
Silêncios e pisões nos pés
Parceria e desencontros

E o fim veio de sopetão
Precoce, amor abortado
E sigo eu pensando
Que Deus me deve uma boa explicação

Leopardo

O preço da sobrevivência
São as cicatrizes inflexíveis
O temor do caos
E a desconfiança embutida

O lucro da sobrevivência
É aprender a zelar por si
Mostrar as presas na hora certa
E conhecer o próprio salto

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Adolescente

Se eu tivesse apostado em nós
Você também teria?
Se eu tivesse enfrentado os contras
Você me protegeria?

Se eu tivesse dito
Que ía ali, mas já voltava
Porque era o preço para eu ser feliz
E assim, também, você
Você teria me esperado?

E se agora eu não estivesse
Sozinha e frágil
Estaria fazendo essas perguntas todas?

A gente escolhe os atalhos
Conforme surgem as forquilhas
E decide sem medo
Ou apesar dele

Mas quando o tema é recorrente
E difícil não parar para se perguntar
"E se...?"
(Não me responda nunca, por favor)

domingo, 5 de junho de 2016

Leite Condensado

Tem gente que
Até parece por instinto
Pede permissão pra entrar
Tem gente que
Até parece por instinto
Sabe receber um "não"

Tem gente
Que nasce sem arrogância
E nunca se impõe
Tem gente que nasce
Com doçura suficiente
Pra fazer diferença na gente

sábado, 4 de junho de 2016

Contraste

Minha alma de poeta
Seus trejeitos de pedreiro
E daí eu

Branca de côco
Queijo parmesão
Pimenta preta

Aprendo
Que na hora da sede
O império é da carne
(Saio toda ralada)

Raro

E eu toco o seu mundo
Na medida do possível
Se possível
Quando e quanto
Possível

E é tudo muito bom

E a vida
Que passa voando
Numa sucessão
De notas afinadas
(De oito a nove)
Nesses momentos
Fica um dez!!!

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Charme

Numa das muitas vezes em que estávamos estremecidos, fui a um barzinho, sabendo que ele estaria lá com os amigos. sabendo que ele sabia que eu sabia que ele estaria.
Cheguei com a minha turma, todas a par da situação, e sentei a algumas mesas de distância. Conversava, ria, cantava, e olhava discretamente para o lado dele, que não olhava para mim. Fui me aborrecendo aos poucos.
Ele vestia uma roupa que eu tinha dado de presente, e umas menininhas na mesa ao lado claramente o paqueravam. Mas ele só interagia com os amigos. Fui murchando.
Num dado momento, ele ficou sozinho na mesa. Pegou o guardanapo, abriu, e com os cotovelos fincados na mesa, o estendeu na frente do rosto. Fiquei olhando, sem entender o gesto, e já que ele não me via, não precisei disfarçar, fiquei meio hipnotizada. Mantendo o guardanapo parado, ele foi baixando o rosto devagarzinho, igual gato no meio da folhagem, e na hora que os olhos apareceram, ele estava sorrindo para mim, e me deu uma piscadinha.
Caí na gargalhada. Que convencido! Que tratante! Que provocativo! Alguém tem que ser muito seguro de si para brincar assim.
Ele veio para a nossa mesa, e fizemos as pazes. Pela centésima vez.

Genesis

Se eu tivesse sido Eva
Teria comido a maçã todinha
E sido expulsa e sairia do Éden
Com as minhas próprias pernas
Para conhecer a solidão

Não deveria mais o pedaço de costela
Para ninguém
E pagaria o preço da minha curiosidade sozinha
Adão sofreria de saudades
E não me esqueceria

Viveria um Inferno
No meio do Paraíso
Perguntando -se para sempre
O que estaria perdendo
Por não estar ao meu lado
Do lado
De fora

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ciúmes

Se você se visse como eu o vejo
E meus olhos fossem o seu espelho
Você nunca duvidaria
De quão lindo você é

E se soubesse o que seu rosto
Causa quando atinge a minha retina
Não se importaria com os outros
Que não captam o meu olhar

Se você imaginasse como eu sou
Encantada por você
Talvez entendesse um pouco mais
O porquê de tanto bem querer

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Nunca

Não perca o seu tempo
Listando os motivos
Dos muitos "nãos" da sua cabeça
Nunca achamos que seria fácil
Arranjar o tempo de nós dois

Não perca o meu tempo
Cobrando as razões
Dos muitos risos no meu colo
Nunca achamos que seriam novidades
As noites roubadas para nós dois

Não perca o nosso tempo
Tentando prever o amanhã
E o próximo passo para além
Desse beco sem saída
Em que nos encontramos, os dois

(E as tantas frases "eu nunca tinha feito isso!")

Bom dia!

Seja hoje um dia fácil
Ou complicado
Estejam os seus queridos distantes
Ou ao seu lado
Desejos sejam atingidos
Ou adiados

Que você tenha um tempo bom
E a saúde presente
Com alegria sempre que possível
E que esta noite você sorrie
E suspire: "que dia...!"

Amor Imperfeito

Venha ser para mim
Outro daqueles amores
Capengas
Desdentados
Engessados
Caolhos
Inexatos
E abençoados

Esfregue na minha cara
Que a felicidade e a agonia do ser humano
É lidar com as imperfeições
(Eu seria capaz de amá-lo)

Para Ana, minha querida imperfeita

sábado, 28 de maio de 2016

Fiel

Eu só quero um de cada vez
Carece vigiar, não
Carece se preocupar, não

Se alguém me fala ao ouvido
E está perto demais
A culpa é da música alta
E se eu rio nessa hora
É porque estou satisfeita
Em ter você na minha vida

Eu só quero um de cada vez
Carece me chamar de namorada, não
Carece fazer planos para o futuro, não

Basta me fazer feliz
Porque sou leal às minhas vontades

E se o meu olhar se demorar
Mais longamente em outra pessoa
E o meu coração disparar mais do que por você
Talvez, simplesmente, a sua vez tenha acabado
(E você vai ser o primeiro a saber)

Acostamento

Minha última experiência com homens

Tenho um otimismo que às vezes me prejudica. Daquele tipo que a luz da gasolina acende e palpita: "dá pra chegar e voltar!" Hoje, não deu. Até que tive sorte. Primeira (e espero que última) vez em 27 anos dirigindo.
Mas então aconteceu: eu no meio de uma estrada, sem sinal de celular e sem gasolina. Voltando de um sítio de amigos, com quem tomei café-da-manhã.
Logo parou um caminhoneiro. Um menino de uns vinte anos, que constatou que era falta de gasolina, mesmo, e me emprestou o celular para eu acionar o seguro. Seguiu adiante, porque estava bem perto do destino. Ria tímido, meio tirando sarro da minha enrascada.
Nisso, meus amigos receberam a minha mensagem e começaram a rodar perto do sítio, mas não conseguiam fazer contato.
Comecei a andar pelo acostamento para achar sinal do celular. Parou um carro lotado. Três gerações. Vô, pai, e tio do Luiz Augusto, um menino de três anos de cachos dourados quase brancos. Estavam indo buscar carne e trariam a minha gasolina em vinte minutos. E trouxeram, sorridentes, e pediram que eu rezasse por eles.
Cancelei o guincho, agradeci e pedi desculpas pros meus amigos e cheguei num posto de gasolina.
Resumindo: ainda existem homens cuidadores. Paternais. Que olham para mulheres como seres que precisam ser protegidos de situações de perigo e inclusive de outros homens. Não sei se, se eu fosse um marmanjo barbado de 1,85 m de altura andando no acostamento, eles teriam parado pra ajudar.
Sei que a gente tende a gravar no coração as más notícias e experiências. A tomada que deu choque a gente nunca esquece.
Mas eu ainda ponho fé na humanidade e nos homens. Esses, dos quais eu gosto tanto, e pelos quais tenho admiração e gratidão. Ainda que não seja por todos, e talvez nem a maioria. O mesmo para mulheres.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Estrutura

Os meus fantasmas não são visíveis
E nem palpáveis o tempo todo
Mas nem por isso são inexistentes
E vez por outra olham na minha direção
E sorriem
Ou choram
Ou sangram
Ou sussurram novamente as promessas
Que nunca tiveram intenção de cumprir

Os meus fantasmas são peças de mim
Esse imenso quebra-cabeça
Que perde partes e incorpora outras
Ao mesmo tempo
De contornos indefinidos
E âmago amoroso
De energia que se expande e se retrai
Num piscar de olhos
(Que se fecham para suportar a dor)

Talvez esses fantasmas sejam necessários
Para os joelhos não se dobrarem
A coluna manter-se ereta
E o nariz sugar o ar
Talvez sejam um peso desmedido
Uma âncora a ser abandonada
Isso só o tempo dirá

Avanço

Deus abençoe os ambiciosos
Que acreditam no seu potencial
Que almejam mais alto
E não se contentam com pouco

Deus abençoe os que não se conformaram
Em mover-se devagar
Em cantar baixinho
Em não poder voar por ser humano

Deus abençoe quem contrariou o conformismo
E que fez o que foi preciso
Par descobrir que a Terra é redonda
E que o Universo é infinito

Porque o destino do homem
É sempre ir atrás do "mais"
Sempre

Encontro

Ele se deita para dormir
Uma hora antes
Dela acordar pra trabalhar
Mesmo assim combinam
Dar um jeito de se encontrar

Nesse dia o Sol brilhará
Um pouquinho menos
Para ela poder aparecer
E a Lua será um sorriso só...

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Crazy

E se acontecer
De eu querer você
E você me querer?
(Que loucura!)

E se acontecer
De combinar
E de acontecer?
(Que doideira!)

E se acontecer
De ser bom
E de novo se querer?
(Que insanidade!)

E se acontecer
De escalar?
De viciar?

Vem comigo, Napoleão,
Que tem um hospício ótimo
Aqui na minha cidade...

domingo, 22 de maio de 2016

Moleque

Eu espero por um homem
Que é meu rei e meu peão
Tem um corpo moreno gostoso
E o rosto em forma de coração

Amnésia

A memória da gente é interessante.
Eu não me lembro do perfil dele.
E chego a acreditar que toda vez que a gente se viu, ele olhou diretamente para mim. O tempo todo.

Na Calada da Noite

Não existe gravidade mais potente
Que a força do querer
Nada que a distância entre os corpos supere
Se o pensamento coincide na madrugada

Vou sedenta ao seu encontro
Para girar em torno do seu corpo
Como a Lua em torno da Terra
A Terra em torno do Sol

(E o meu sorriso em torno do seu)

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Artesã

E num chuleio, num gracejo
A moça artesã
Fala de indiferença ao sangue
E de drops de hortelã

Tecem palavras de amizade
Ela e o poeta do supetão
Quem sabe que seara fértil
Esses dois fecundarão?

Grande Amor

Desejo para você um grande amor.
Que o interesse seja mútuo e ele floresça espontaneamente. Que flua como um rio e mate a sede de ambos. Que vocês tenham coisas em comum o suficiente para que mantê-lo não entre em conflito com os valores de cada um.
Que a vontade de estar juntos seja crescente e dar "tchau" torne-se cada vez mais difícil, até que se escolha dormir e acordar perto todos os dias.
Que quem gosta de você, ao conhecer o seu amor, sorria e diga "você merece". Que você celebre ter encontrado essa pessoa.
Que as decisões sejam tomadas em conjunto, visando o bem do casal, e que haja boa vontade, caso um seja contrariado. Que não surja vitimização, ressentimento ou espírito de cobrança. Que não haja competição.
Que sintam-se pertencentes ao sentimento e ao time, mas não um ao outro. Que exista zelo e cuidado, mas não posse e ciúmes desmedido.
Que se acontecer de você olhar para alguém mais longamente que o normal, você reveja os motivos disso, antes de tomar uma atitude que possa magoar o outro.
Se planejarem filhos, que sejam convidados, bem-vindos e respeitados como seres humanos, e não projetos de perfeição. Que vocês concordem na maior parte sobre como educar.
Que vocês saibam que haverá dias bons e ruins, bons e maus humores, sorrisos e vontade de torcer o pescoço. Mas que acolhimento, tolerância e suporte são indispensáveis, chova ou faça sol. E que continuar juntos às vezes será nadar contra a correnteza.
Que o amor seja grande o suficiente para beneficiar familiares e amigos de ambos.
Enfim, que traga e alimente o melhor que existir e puder ser criado, e contrarie a natureza humana no que ela tem de mesquinho.
E que dure o tempo que merece durar um amor de verdade, enquanto existe.

Concomitante

Talvez esse aperto no peito
Seja o amor infinito
E a saudade imensurável
Disputando o mesmo espaço
(E eu explodindo por dentro)

Momento

Se é um rio de água cristalina
Fresca de beber
E bom pra pescaria

Por que cargas d'água
Vou perguntar
Onde ele vai dar?

(Acampo por aqui mesmo)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Natureza

O cavalo é um cavalo, e vai andar em L. O bispo é um bispo, e vai andar na diagonal. O peão vai de pulinho em pulinho e come na diagonal, como se fosse um bispo com limites.
Você será feliz se, sendo um cavalo, não quiser ter todos os movimentos da rainha. Ou, sendo a rainha, não se colocar a fazer um L. E juntar forças com os outros contra o inimigo em comum.
O resto é balela.
Você pode treinar um comportamento, se o outro assim o permitir (e somente nesse caso!). Mas você não ensina sentimentos. O que o encanta, o que o faz feliz pode ser completamente patético para alguém com outros olhos emocionais. Pode gerar escárnio e inveja.
E as peças podem terminar dormindo toda noite na mesma caixa, ter a mesma cor e ser do mesmo material, mas nunca, na verdade, ter formado um time.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Pé no Chão

Existem dias de pouca tristeza
Sem nós nas tripas
E respirações suspensas
Que vomitem palavras e lágrimas
São os dias de pouca saudade

Existem dias de pouca fervura
Sem taquicardia
E dilatação de pupila
Que arrepiem os pelos e desejos
São os dias longe do cio

Existem dias de pouca poesia
Sem castelos no ar
E girassóis nos cabelos
Que levem o pensamento para longe
E aliviem as dores
São os dias de muita realidade

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Mistura

Eu gosto do nosso "oi"
Porque às vezes me misturo na multidão
E olho de canto de olho me perguntando
Quanto tempo vai levar para você me localizar
O meu cabelo armado, as minhas pernas altas
Ou o meu sorriso para outro

E às vezes vou direto na sua direção
E tiro o casaco ou prendo o cabelo
Rindo e olhando direto no seu olho
Recebo o seu sorriso, e você faz aquela cara de tímido
Olha para os amigos, vê se alguém reparou
E deixa para acenar numa outra oportunidade

Eu gosto do nosso "tchau"
Porque é intenso e sofrido
E dura mais do que deveria
Naquela vontade de encompridar o assunto
Na raiva da hora ter chegado
Querendo tatuar a imagem do outro na retina
E a grande dúvida: vai haver outra oportunidade?

Eu gosto do nosso recheio
Porque estar com você é prazeroso
Porque o riso é frouxo e o julgamento é pouco
Porque as histórias e o carinho não têm fim
Eu sou vulcão e você é chuva
Mas nunca calor e frio combinaram tanto

Parceria

E num chuleio, num gracejo
A moça artesã
Fala de indiferença ao sangue
E de drops de hortelã

Tecem palavras de amizade
Ela e o poeta do supetão
Quem sabe que seara fértil
Esses dois fecundarão?

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Longe

A distância não tinha só quilômetros
A distância tinha o meu medo
E a ambição dele
O meu senso de dever
E a vaidade dele
As minhas cicatrizes
E o orgulho que eu feri

O desejo não tinha só mãos
Tinha braços, boca e olhares
E a mesma linguagem amorosa
A dedicação ao doente
O amor ao intervir
Ao curar
Ao salvar

O destino não tinha só planos
Tinha testes, lições e sadismo
Tinha os "quase"
Os "esfrega na cara"
Os "tem certeza que sim?"
"Tem certeza que não?"
E finalmente... "Não!"

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Nuvem

Você não sabe amar
E eu não sei esquecer
Você não quer esperar
E eu não costumo perder
Brinquemos...

Primeirinho

Seu coração é como um colibri
Pousado na minha mão
E eu gosto de como você olha para mim
E espera mais um beijo, há tantos anos

E eu imagino como eu seria feliz
Em me deixar ser amada outra vez
Se ao menos eu tivesse
Algo bom para oferecer de volta...

Troca

Um dia encontrarei uma música
Que soe melhor ao ouvido que a sua voz
E uma fruta mais doce
Que o que provo na sua boca

Um dia a cor do mar será mais bela
Que os seus olhos na minha direção
E o veludo mais macio
Que a sua barba na minha mão

Mas até lá
Esse amor seguirá imperando
E as suas águas me invadindo
E meu corpo enfraquecendo
(Feliz e cansado nos seus braços)
Toda
Santa
Vez

terça-feira, 10 de maio de 2016

Modus Operandi (Gato)

Não honro o que não amo
(Existem títulos que são dados sem merecimento)
Surpreendo a mim mesmo quando demonstro mais amor do que sabia ter
Quito dívidas e pessoas deixam de existir para mim (Se a dor é só delas, tanto melhor)
Ser fiel a mim mesmo é o presente que me dou
Eu não desacelero a minha caminhada em troca de companhia nenhuma
No máximo olho para trás e penso "que pena..."

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Baú

Comigo vira história
Comigo vira amizade
Comigo vira memória
Comigo vira escolta

Comigo vira poesia
Comigo vira motivo
Comigo vira mania
Comigo vira volta

Comigo vira vontade
Comigo vira sorriso
Comigo vira verdade
Comigo vira ouro

Vira troca
Vira troco
Vira vida
Vira tesouro

domingo, 8 de maio de 2016

Dia das Mães 2016

Esses dias, quando eu estava decidindo se o paciente tinha dengue ou gripe H1N1 pelos sintomas, no fundo da minha cabeça estava que eu tinha que ligar pro restaurante para mandar o almoço pros meninos.
Depois, fui fazer um ultrassom (em mim), e não desliguei o celular. Eu uso a desculpa da profissão, mas, na verdade, é para estar disponível, caso um deles tenha dor de barriga ou vai saber o quê...
E, no final do expediente, liguei pra loja de roupas pra saber até que horas ficava aberta, já que roupa nenhuma serve mais.
Ser mãe é isso. Ter essas pessoas no fundo do pensamento quase o tempo todo. Só ter paz quando tudo está aparentemente correndo bem. Abandonar uns e outros planos, porque eles são prioridade. Tentar estabelecer limites nesse doar unidirecional, porque toda paixão cega a gente.
Então, estou alegre com tanta msg de Feliz Dia das Mães que estou recebendo, principalmente de quem me conhece como tal. É mais difícil que ser médica, porque não há protocolos nem história natural da doença. Mas é uma escolha que me faz muito feliz e me obriga a ser uma pessoa melhor.

História

A febre é minha
A taquicardia é minha
A dilatação das pupilas
E as águas também

A história é nossa
E os planos são seus
Quando isso acabar
O problema será meu

E tudo o que você fez
Foi ser lindo e doce
E direto ao ponto

Inverno

Quem diria que a luz no fim do túnel
Era a dos seus olhos, que se apagou naquele Maio
E que os meus gritos de dor na madrugada
Acordariam gatos asmáticos, num balaio

Quem diria que a confusão de nós
Se desfaria num puxão do destino
E eu viria a ter saudade do medo
Que nos impediu daquele desatino

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Fase

Às vezes a gente precisa de alguém
Que não complique muito
Que não analise muito
Que não se assuste facilmente

Que role no barranco com a gente
E ria da roupa suja lá em baixo
E tire sarro do ciúmes
E vire poesia sem medo da responsabilidade

Às vezes a gente precisa de alguém
Que simplesmente goste de viver
Que seja leve e que tenha por ter
Que receba presentes por saber merecer

(São esses os que viram boas lembranças)

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Hoje

Hoje
Eu teria enfrentado a distância
Para beijar suas pálpebras
E lamber as pontas dos seus dedos
Porque a saudade apertou
E eu já não tenho medo

Hoje
Eu não analiso os porquês
E sei do tempo que nos foge
Eu pagaria o preço
Que só paga quem tem coragem
Porque a dor é privilégio
De quem ainda está vivo

Hoje
Eu ouviria as suas histórias
E tiraria o seu fôlego
E roubaria a sua paz
Eu teria estado com você, hoje
Tivesse você me chamado

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Mulheres

A diferença entre eu e ela é que enquanto ela se programa para a próxima plástica, você discute comigo a sua técnica cirúrgica.
E enquanto ela fazia aulas de balé, levada e buscada pela mamãe, dissecávamos cadáveres.
Ela lê revistas de celebridades, eu e você vamos a reuniões sobre óbito.
Ela nunca andou de metrô. Eu cresci mais solta que uma pipa.
Ela quis casar virgem. Eu te apresentei o KY.
Mas vai fundo. Insista. Invista.
No caso de persistência dos sintomas, consulte um bom psicólogo.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Culpa

Me vestiu de bailarina
E alimentou a fantasia
Ao longo dos anos
Agora vem cheio de raiva
Cobrar por supostos
Perdas e danos

Não me desculpo
Demorou a acordar
Não só não danço
Meu senhor
Nem tampouco
Sei brincar

Permissão

Pode recolher as armas
E bater em retirada
A gente se encontra mais à frente
Pra uma próxima rodada

Paz

Existem manhãs
De suspiros
E vazios
De barriga cheia

De sensação de plenitude
Da visão total
Do vale e da subida íngreme
Que já se percorreu

E a gente finca bandeira
E, cansada, se senta
Nada faz mesmo muito sentido
Mas é o que é

sábado, 30 de abril de 2016

Continuação

Empilho o eufemismo
Em palavras poéticas
Que voce não alcançaria
Para embelezar o que na verdade
É saudável pulsão de vida
Quase uma bruxaria

Então escrevo sobre o desejo
A frustração, a saudade
O perfume, a voz, a urgência
Deixo pra conversa no whatsapp
Os palavrões, as risadas
E as promessas de indecência

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Despedida

"Não chora..." - disse ela. "Poderia ter sido pior."
Seguiu: "Eu poderia ter estacionado mais longe todas as manhãs, para passar na frente do seu trabalho. E ter fantasiado que você estava no lobby de propósito para me ver. Que sabia dos meus horários.
Eu poderia ter vivido as minhas histórias tolas duas vezes. Uma quando acontecessem, outra quando as contasse para você. E poderia ter esperado ansiosamente para ser ouvida e saber a sua opinião.
Você poderia me contar filmes para me dar lição de moral, enquanto eu beijava qualquer parte do corpo sua que eu alcançasse.
Eu poderia ter contado várias piadas e ter sido gravada sem querer, rindo.
Você poderia ter lembrado de mim toda vez que visse filhotes de gato e comesse queijadinha.
Você poderia ter babado cada vez que, em público, eu tivesse prendido o meu cabelo, pra provocá-lo. Você poderia ter sentido ciúmes.
Poderia ter sido pior.
Nós poderíamos ter quisto a presença um do outro nos momentos felizes. E principalmente nos tristes. E carregado um aao outro na mente quando os fogos de artifício anunciavam o Ano Novo que me levaria para longe.
Nós poderíamos, realmente, ter amado um ao outro."
Naquele momento ele percebeu que nem mil anos seriam capazes de fazer esquecê-la.

Tá quente, tá frio

Conversa na madrugada
Suor frio
Tira cobertor
Tira coberta
Tira freio
Perde a vergonha

Mas o sono vence...

(E no calor do momento
Esqueci de perguntar
Se estava bem agasalhado)

terça-feira, 26 de abril de 2016

Pele

Branca
De neve
De talco
De palco
De prazeres

Contornos indefinidos
Olhares perdidos
Na liquidez do momento
Na insensatez
Dos quereres

Conta

Proporcionalmente
Contribuí com 90%
E você com 10
Proporcionalmente
Eu nem sabia o que era 2%
Proporcionalmente
Paguei a preço de diamante
O que era ouro dos tolos
Proporcionalmente
Meu pé atingiu 100%
Da sua bunda

Quedinha

Você aí
Do alto do seu trono
Olha para frente e me encara
Sou sua igual
Sou sua

E cai
Cai de boca
Cai por mim
No meu canto de sereia
Cai na minha teia

domingo, 24 de abril de 2016

Gangrena Visceral

A dor do que infarta lá dentro
Do que não vai apodrecer
Morre e não deixa de existir
Ocupa espaço e não vai mais funcionar

É a dor do que não mais lhe pertence
Mas é carregado para sempre
Como lembrança da fragilidade
E de que um dia vai-se o todo

Praia

Ela bem que tentou. Telefonou, mandou mensagem pelo face e whatsapp. Estava descendo para a praia, decidiu em cima da hora. Ele provavelmente estava na roça, de chapéu, cuidando de galinhas e talvez batendo um bolo de fubá maravilhoso. Celular desligado. Será que tinha sinal?
Ela divertiu-se ao máximo e voltou pra casa de madrugada. Quatro horas e meia era uma distância considerável. Sorte que o carro era bom.
E suspirou. Mas o que era um dia a mais para um beijo que estava esperando havia trinta anos?

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Pedido no Balcão

Uma paixão, por favor
Uma paixão pra distração
Pra ser consumida aqui mesmo
Pra me ensinar um novo prazer

Pra esquecer o paciente que morreu
E o filho que desobedeceu
Pra fazer rir e pra culpar
Na hora em que a lágrima cair

Uma paixão, por favor
Dessas que marcam sem machucar
Dessas que a gente escreve na alma
E se quer bem pro resto da vida

Longínquo

A vida é areia ao vento
Mosaico de curvas na reta do tempo
Bela por ser imprevisível
Inconstante, volúvel, dinâmica

O que seu coração carrega hoje
Amanhã pode ser nem lembrança
E a sede da sua alma aplaca-se num dia
Para atormentar no seguinte

E a ilusão de controle haverá
De cair por terra e isso assusta e alivia
Quem é que sabe do próximo desenho?
Quem prevê o próximo movimento?

terça-feira, 19 de abril de 2016

Amor

Você é o toque de sanidade na minha loucura
Minha paz, meu oásis, minha doçura
Você é o meu porto seguro após a tormenta
Me refresca, me apazigua, me esquenta

Você é a resposta para perguntas que nunca existiram
O dilúvio de paixão após a seca dilacerante
Por você sou melhor, sou feliz, sou mulher
Sua amiga, seu caminho e sua amante

Trilha Sonora

Ele podia ser bom em várias coisas... Pausa. Reescrevo.
Ele era definitivamente bom em várias coisas, mas em previsão, com certeza, não.
Projetou para o (então) futuro um sofrimento que não houve. E uma amizade que provavelmente também não vai acontecer.
Talvez por me conhecer pouco como pessoa, e ser inocente a respeito da minha religião, a "docontraísmo", chutou: "Quando você ouvir essa música, vai lembrar de mim." E riu. Claramente se divertia. E facilmente, também.
Nem sei que música era. Provavelmente, nem ele. Audição era o sentido menos funcionante em mim, naquele momento.
Mas eu me lembro de uma música que ele tentou cantar, num inglês ruim de dar dó, salva apenas por ele ser afinado. E da música que cantou enquanto tomava banho, se recuperando do pilequinho do churrasco. Eu olhando para o teto, sorrindo e pensando em como ele se distraía facilmente. Como ficava à vontade, como se ninguém estivesse ouvindo.
Mas a "nossa música", na minha cabeça e coração, é provavelmente desconhecida para ele. Ouvi na ida e volta da viagem de 250 km que fiz para estarmos juntos e descrevia bem a situação.
Porque mesmo as coisas vividas a dois são experiências individuais e únicas. E a memória afetiva a gente só verifica após um longo, longo caminho percorrido.

Ilusão de Ótica

Parecia fluido
Água de banhar-se
Mas é duro aos pés
Gelou a alma
Calculando o vôo
Em 3, 2, 1...

Futuro

Um dia vou acordar e estarei
Morta
Certeza que eu tomarei o maior
Susto
E acharei que a vida foi mesmo muito
Curta

Minha alma voará feliz
Leve
Minha memória se misturará ao resto
Todo
E me perderei no brilho do outro
Mundo

(Sabendo que o amor verdadeiro nunca é
Findo)

Ri melhor...

Quarenta meses
Porque quem não conhece champanhe
Delicia-se com água da torneira
Deve ter sido divertido

Agora faz a pior parte
Junta todas as suas forças
E me esquece
(Truco essa porcaria!)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Lágrima

Porque hoje eu preciso chorar... eu vou inventar que é um grande amor que se acaba.
Que eu não vou guardá-lo com carinho no coração. E não vou sorrir toda vez que ouvir o seu nome.
Vou fazer um drama enorme e miar triste em cima do telhado, como se tivesse sido pega de surpresa, e duvidasse da minha capacidade de trocá-lo por outro na próxima esquina.
Porque hoje eu preciso chorar por algo infinitamente mais grave e permanente. E eu prefiro chorar por você.

domingo, 17 de abril de 2016

Platônico

O meu fantasma me assombrou em vida
Ímã que atraía e repelia
Com a mesma força e ao mesmo tempo
Uma catástrofe, eu previa
Me causava arrepios
Me invadia o pensamento

E o destino impiedoso
Seguiu seu curso
Mostrou os porquês
Manifestou o absurdo
E o tempo fez o previsto
O alívio do exorcismo

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Banho

Sempre calculando o próximo passo
Desdenhando da zona de conforto
Tão duramente conquistada

Sempre inspirando fundo
E reunindo forças
Para o próximo pulo - mais alto!

Na arte de ser facilmente feliz
Eternamente agradecida
Sem nunca estar plenamente contente

Desértico

Seua olhos cor de areia
Vida esvaindo-se na ampulheta
Minha garganta seca, porta-agulhas
E um camelo ruminando
A miragem que foi o nosso amor

terça-feira, 12 de abril de 2016

Rua

Hoje, eu estacionei na rua de cima. A nossa rua. Os poucos postes, as várias árvores, as vastas sombras nas quais nos enroscávamos e ríamos, julgando-nos invisíveis e inaudíveis.
Coloquei a mão no tronco forte e áspero da maior, e perguntei se ela se lembrava. "Sim", respondeu, "e eu também daria tudo para ouvir a voz dele mais uma vez."
Saudade enlouquecedora é a que faz a gente conversar com árvores. Telepaticamente, inclusive.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Compasso

Ele me levou pela mão para o meio do salão.
"Se eu soltar, te roubam de mim e eu não te vejo pro resto do baile."
"Não solte! Não quero que me roubem de você."
Abraçada, sussurrei no seu ouvido: "Feche os olhos que eu te faço acordar."

Releitura

Leio as poesias
Em que eu o chamava
E ele não vinha
E me pergunto
"Ele já sabia?"

A Realidade

Dona de uma gula absoluta
Na pia nada
Na cama sutra

Gestação

Desconheço o medo paralisante
E cuido de mim mesma desde que me conheço
Sei do que sou capaz de gerar
E dispenso quem não tolera os meus gritos de parto

Me deslumbro a cada vez que amamento
Adubo meus triunfos com afeto
Sou mãe de mil ideias luminosas
E me materializo em cada uma delas

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Distante

Vai
Mas deixa a sombra
O ar movido pelas asas
O peso dos pezinhos marcado

Vai
Mas leva o gosto
O som das risadas
A dor do adeus

Vai
Mas volta
A ser meu

Desalinhada

Lambo a linha
Entre seu lábio inferior e a pele
Você lê as minhas entrelinhas
Meu dicionário todo aberto pra você

Você escorre em minha mão esquerda
Entre tenar e hipotenar, linha da vida
E alinha meu cabelo num rabo de cavalo
Pra não atrapalhar a visão

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Plano

Não vou me forçar
A não te querer
Prefiro frustração
A vácuo de coração

E se só houver distância
Se o desejo já não se tem
Não vai escapar da minha reza
Minha admiração, meu querer bem

Churrasco

E daí aconteceu de eu ficar com raiva dele na véspera do churrasco. Aquele ao qual eu não tinha intenção de ir.
Mas ele mandar uma foto do sambão rolando solto enquanto meus tímpanos latejavam mais que válvula de tampa de panela de pressão me fez mudar de ideia.
Fui.
Me diverti.
Só não contava com um detalhe: ele estava de chinelo. De cara amarrada, olhei disfarçadamente por baixo da mesa de truco. Pés perfeitos!
Na volta pra casa, parei na farmácia para comprar antiácido. Eu sabia que o tempo amenizaria a minha frustração. Mas ter aqueles pés era imperdoável!

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Truque

Fecho os olhos e memorizo
A beleza do sorriso
Eu o escôo de dentro de mim
Devagarzinho - e deixo-o
No silêncio e com carinho
Em respeito ao seu sono

(Depois não atendo o telefone por três dias
Pra ele não saber que ainda é o meu dono)

Proposital

Mais ou menos planejado
Próximo de ser sincero
Deixando de ser ensaiado
Evoluindo para verdadeiro

Mais olho no olho
Menos pele com pele
Tipo tem mais coisa boa
Meio que não intencional

Na fuga das definições
Um pouco de fusão de nós

Céu

Exconjuro o ensinamento
De que ser feliz é pecado
Porque encontro a minha felicidade nas pessoas
E acho que o Amor é coisa de Deus

Mas os meus amores são vis,
Incompletos, inacabados, pecadores
Aceito a danação eterna
Desde que paguemos as nossas faltas juntos

(Ou, resumindo: "se eu for pro Céu, vou ficar desenturmada")

domingo, 3 de abril de 2016

Difícil

Vou definir "desencontro"
Numa frase concisa
É você não ser nada do que ele quer
E ele ser tudo do que você precisa...

sábado, 2 de abril de 2016

Dona Jô

Quando eu estava no quarto ano da faculdade, tinha que achar um lugar para morar, porque a "minha" república estava sendo desfeita. Vi um anúncio no mural sobre uma viúva que estava alugando um quarto, e liguei. Atendeu alguém falando o nome de uma loja. Achei que era engano e desisti. Na mesma tarde, uma amiga me falou de uma amiga da mãe, que estava alugando um quarto. Era a mesma pessoa. Tinha colocado o telefone da loja em que trabalhava, para preservar a privacidade.
Seu nome é dona Jô, uma das melhores amigas que tenho. Moramos juntas por pouco tempo, porque tive que ceder o meu quarto para a irmã dela, mas nos amamos e mantemos contato. Foi à minha formatura, casamento, velório do tio, batizado da filha, e me influenciou lindamente. Conhece mulher que enviúva e cria os filhos sozinha, dignamente? Desse modelinho.
Quando leio sobre "o que tem que ser", querendo acreditar que existe uma estrutura definida por alguém por algum motivo, eu me lembro dessa história.
Não veio por um caminho, mas veio por outro. Uma das várias figuras femininas fortes da minha vida. Muito necessária. Mandada por Deus. Mesmo com a minha desistência inicial.

Trabalho

O sofrimento é a massa de pão do cuidador. Se estou trabalhando, é inevitável. Sou procurada, na maioria das vezes, devido a ele. E, esdruxulamente, às vezes convido o paciente a comemorar a existência da dor.
Explico.
Metade dos pacientes com entupimento das coronárias têm morte súbita sem qualquer sintoma prévio. Tem gente andando por aí com pressão alta, sem sentir nada. Procurar médico pra quê? "A gente só vai no dentista se o dente doer", eu digo para eles. Não é o certo, mas é o que a maioria faz. Sentir dor ou cansaço aos esforços, palpitações, a famigerada dor na nuca que contestam se é sintoma de pressão alta, e etc, acaba sendo bom.
Precisou de ponte de safena? " Sorte sua. A gente só recauchuta pneu que vale a pena!" Sim. Eu consigo um sorriso no meio do medo, falando essa frase.
Mas o que me marcou nessa manhã foi que, contrariando a minha rotina, celebrei resultados negativos de exames ("negativo" nesses casos é bom, sem doença) e até dei alta pra gente saudável demais para acompanhar comigo.
Umas ilhas de boas notícias são muito bem-vindas. Verificar saúde é tão prazeroso quanto restaurá-la.

Weston

Só entende o estrago de um furacão quem passa por ele. É um monstrengo que se forma em alto mar, monitorizado pelos noticiários da TV muitos dias antes. Mostram um mapa, uma localização e um cone projetando o possível caminho que seguirá.
Você vai dormir. No dia seguinte, ele está mais perto da terra firme, em algumas horas, o cone se afunila, e vc descobre que essa desgraça vai passar em cima da sua casa.
Vivi isso sete vezes, em dois anos.
Daí é aquela correria pro supermercado. Cheguei a ver gente se engalfinhando por prego, água engarrafada, leite em pó. Eu aproveitava a desculpa pra comprar leite condensado, que acabava antes do furacão chegar.
Cobrem-se as janelas com metal ou madeira. Colhem-se os côcos, que viram bolas de canhão, se deixados ali. Quem não recolhe a tradicional cesta de basquete provavelmente acaba tirando-a de cima do carro.
Existem categorias diferentes de furacão, a estrutura da cidade varia (na que eu morava, toda a fiação era subterrânea, então nunca fiquei sem luz - estranho ver no mapa o furacão passando na sua rua), a extensão, etc.
Dentro do furacão, podem ser formados tornados, que são aqueles funis visíveis que carregam vacas, carros, barcos... Mas são poucos.
Cansa ficar preso em casa. Às vezes, a sensação é a de estar dentro de um avião, dentro de uma tempestade, pelo barulho. Mas se você tem três filhos pequenos (dois na fralda) e um marido viajando que não pôde voltar porque o aeroporto está fechado há três dias, provavelmente você vai brincar de roda o tempo todo, e ninguém vai nem se tocar do que está acontecendo. Uno é legal, assistir desenhos... Nessa hora, é melhor companhia de criança, mesmo, bem sem noção.
O pós é cenário de guerra. Casas destelhadas, ruas obstruídas por árvores, às vezes imensas, seculares, que foram arrancadas pela raiz. Só sobrevivem palmeiras, flexíveis e pouco frondosas, que permitem que o vento passe por elas, sem resistência.
Mas o interessante é que é justamente no pós que acontece a maioria das mortes. Por quê? O Fulano desobedece a orientação das autoridades, e sai para avaliar os danos. Fio no chão, na água, é eletrocutado. Paga caro pela ansiedade.
Até a desgraça tem fatos curiosos. Até nessa hora há de haver equilíbrio emocional.

Vivência

Quando eu era criança, ali pelos cinco anos de idade, morava em Santos, bem perto do restaurante em que meu pai trabalhava, chamado Fifty-Fifty. (Meio a meio o quê, não tenho ideia...).
Meu pai era maître-D, e, apesar das pessoas imaginarem como é sofrido ser familiar de médico, por causa de plantões e etc, não sabem que é muito pior para garçon e similares. Eles dormem quando os outros estão acordados, e trabalham na hora em que, supostamente, a família está reunida para comer. Eu me lembro de uma única vez em que saímos para jantar juntos, na época éramos cinco, e fomos todos de calças jeans, rindo, celebrando.
Bom, tudo isso para dizer que estar com o meu pai era um evento muito raro, então ele tinha uma aura mágica. Era um homem fisicamente muito bonito, labioso, simpático, encantador, e ficava especialmente doce no ambiente de trabalho. Nasceu para servir, exímio ator, fazia o freguês se sentir especial. E eu era uma "freguesa", de fato, especial. Única filha, na época.
Então, nas raras vezes em que fui ao Fifty-Fifty, ele me levou a um ambiente com ar-condicionado (imagina a bênção que isso era, em Santos, nos anos 70), e me serviu uma torta de chocolate meio amargo, com recheio de damasco.
Não há nada no mundo com sabor parecido para mim. Misturar chocolate meio amargo com damasco me traz a memória afetiva de estar com ele, o geladinho na pele, o mundo fervendo lá fora, a voz, a atenção, me sentir cuidada, alguém me mostrando o que é bom e eu mereço.
Ao longo da vida, tenho consciência desse tipo de associações que faço, que me permitem viver mais intensamente e reviver, mais à frente, o que acontece de bom. Independente de vir a acontecer de novo, ou de algo ruim ter acontecido depois. A lembrança daquele momento, aquela sensação, aquele sentido despertado são meus e ninguém vai tirar, nunca. A não ser que eu venha a ter algum distúrbio neurológico, bate na madeira, nunca se sabe.
Exemplo mais recente: eu sei que se esculpir fosse um dom para mim, eu reproduziria um rosto de um homem. Tenho a memória tátil dos ossos todos, e da consistência da sua pele, dos tecidos que chegam até eles. Sei o comprimento dos seus cílios e o cheiro do seu queixo. (Sei, sei, isso não influenciaria na escultura).
Isso para mim é prova de um momento bem vivido.A impressão que me causa, o motivo inexplicável de eu já ter tocado tantos rostos, e nenhum ter marcado tanto. E não tem nada de amor, ou paixão, querer isso ou aquilo da pessoa. Simplesmente, por algum motivo, marcou. E não marcaram outros detalhes. Deles eu me lembro, mas com certeza vou esquecer logo, porque são pequenos. Ficou a memória tátil. Do rosto bonito. Uma surpresa boa. Um presente.
E a vida continua, e quando menos eu esperar, vai ter um gosto, um cheiro, uma música, um movimento ou sei lá o quê, novo ou conhecido e visto de outro ângulo, dentro de um contexto maior, bom, que vai fazer meu olho brilhar e me lembrar de como é gostoso estar viva.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Falta

Sinto saudades de você
Da sua sombra
Misturada ao meu lado escuro
Dos seus olhos na minha boca
Da sua coluna arcada pra frente

Sinto falta da sua voz
E da rede de proteção que você armava
Das vezes em que me ergueu pelas axilas
De mandá-lo embora
E virar o rosto pro outro lado
Sentir seu travar dos maxilares

Sinto falta da sua atenção e dos seus planos
Da minha estratégia para não ser esquecida
Mas sinto mais falta
Ah, como sinto!
De desejar alguém
Com a força de todas as minhas vísceras...

sábado, 26 de março de 2016

Herança

Vi um menino sendo treinado
Para cuspir balas de chumbo
Pelo pai
Que vomitava pixe fervente
Ensinado pelo avô
Que vertia bile escura
Cujo pai também
Expelia veneno de jararaca

Se eu fosse investigar
Mais gerações passadas
Onde teria chegado?
Em Adão, talvez?
E onde se parte essa corrente?
Num amor antídoto
Num gesto de coragem
Numa prece de mãe

O Meu Anjo

O meu anjo
Parece o Mogli
E olha para o teto
Quando fica com vergonha

O meu anjo
Sorri enquanto trabalha
Dorme até tarde
E fala palavrão

O meu anjo
Quer ganhar na loteria
Me faz rir todo dia
E peca como ninguém

Páscoa 2016

Enquanto os meus filhos dormem, e a minha sobrinha também, eu tenho um tempo de preguiça e de escolha do que fazer, e para onde olhar.
E eu gostaria de não estar aqui.
Gostaria de estar numa praia deserta, com areia quentinha sob os meus pés, e tomando um pouco de sol, para fortalecer os meus ossos. Sim, porque eu me cuido, e penso nas necessidades básicas que negligencio, pela escolha do estilo de vida que fiz. Um pouco mais de sol cairia bem.
Gostaria de estar carregando uma bacia com várias conchinhas, de vários tamanhos e cores, cada uma sendo meus amigos queridos. Essa bacia não pesaria.
Gostaria de sentar onde as ondas terminam, com uma peneira para cuidar delas. E ter algum tipo de Super Bonder mágico, que o desejo é meu, eu invento o que eu quiser.
E eu gostaria de ter algum tipo de monóculo daquele que se põe num olho só, para ver onde reparos são necessários, e toda a beleza própria de cada uma delas me encantaria.
E eu as lavaria na água do mar, as beijaria uma a uma, conversaria no ouvido delas (sim, minhas conchinhas têm ouvidos funcionantes), e, num sopro, as retornaria para o lugar ao qual pertencem, restauradas e brilhantes.
Porque se há um defeito que eu tenho, nessa vida, é a arrogância de querer fazer diferença na vida das pessoas. E se há algo que me frustra, é ter que reconhecer os meus limites, em termos de capacidade, permissão e conhecimento da verdade de cada um.
Mas o sonho (acordado) é meu, e se de alguma forma energia é mandada pelo simples fato de existir intenção, as minhas conchinhas se sentirão melhor, hoje. Mesmo sem saber que estiveram na praia, hoje. Mesmo sem saber que são "minhas" conchinhas.

OBS: alguém verifique o teor alcoólico do tal do própolis, por favor. Foram 25 gotas.

Feliz Páscoa, pessoal!

quinta-feira, 24 de março de 2016

Confessionário

Seu padre
Não sei quando volto
Talvez mês que vem
Talvez no outro ano
Quiçá na outra vida

O tempo do jejum acabou
Descobri a terra
Do leite e do mel
(E do chocolate)

Os pecados são muitos, seu padre
De acordo com a lista
Que me fez decorar
O problema, meu senhor
É esse arrependimento
Que nunca quer chegar...

quarta-feira, 23 de março de 2016

Cassino

Tem gente que gosta
Da simulação da vitória
Do blefe e da perfídia do jogo
Mesmo que perca as calças

Tem gente que nem tenta
Porque acha que não tem cacife
Malícia ou coragem suficientes

Tem gente que chega descalça
Aposta a única e mais valiosa ficha
E ganha o prêmio acumulado

segunda-feira, 21 de março de 2016

Missed

Navio em alto mar, baby
Engano de marujo inexperiente
Achou que promessa de emprego
Faria a embarcação aguardar

Distraiu-se com conversas
Jornais, cartas, bebedeira
Agora só resta chorar

Aventure-se em outra viagem, baby
Que essa opotunidade
Para você não retornará

Perdoar

Perdão é sentimento
É processo de cicatrização
vem de dentro para fora
Dói conforme a profundidade da chaga

Convém não arrancar a casca
E observar sinais de infecção
Um amigo pode ajudar na sutura
Mas é a natureza que conclui o processo

Perdão forçado é arrogância
Fingir perdão é trair a si mesmo
Um dia a casca cai sozinha
Mas o tecido em baixo é cicatricial
(Perde a função)

Vinhos

Sou uma sommelier de pessoas.
As que me despertam curiosidade eu chamo para a minha taça. Homens e mulheres, de todas as idades.
Convite aceito, observo. Discretamente. Mas contra a luz. Se gosto do que vejo, cheiro e bebo, no limite do que me é permitido. Nenhuma conotação sexual aqui. Na vasta maioria das vezes.
Não vai passar batido que a íris é castanha com raios verdes e o riso sai fácil. E que forma uma covinha na bochecha direita, que, talvez não por coincidência, foi a mesma que elogiou em mim.
Na outra, se destaca a linha do nariz. Na outra, a orelha miudinha, perfeita.
A voz. O perfume. O hálito. A aspereza ou a maciez das mãos. O olhar. O jeito de se inclinar. As histórias. As cenas em que me colocam. Quão bem são descritas.
O último namoro, o rompimento. Ter olhado para mim e não ter me visto: tudo se encaixa. Muito faz sentido. Flui.
O jeito que lava as mãos: igual a um cirurgião, até os cotovelos. Entendo o porquê.
Os olhos que mareiam porque a ferida, estranhamente coincidente com a minha, ainda não cicatrizou. O livro que poderíamos escrever a quatro mãos.
E por aí vai...
E isso não tem nada a ver com apego ou paixão. Ou pode até ter, mas ao ser humano, e alguns são encantadores. Não romântico, não uma procura, não um cálculo dos possíveis desdobramentos. Duas pessoas vivendo um momento. Criando um movimento. Acolhendo.
Eu não desenho ou pinto, mas meus olhos os enxergam em detalhes e registram. Posso não notar com realismo todas as nuances, mas eles me causam impressões e memórias factuais e emocionais que resistem ao tempo. Talvez eu consiga usar as palavras para expressar vagamente a experiência. Vale a tentativa.
Enriquecedor. Sempre. Com os vinhos certos. Vinagres são descartados na pia.

sexta-feira, 18 de março de 2016

IVAS

Rezando por um pouco de silêncio
Para minimizar o estrago
Tanto eu pedi "chega, chega"
Que agora a rouquidão me cala

Então, por caridade
Cale-se também
Retraia-te ao teu mundinho
Que eu vou recompor o meu

Tem flores mal regadas
E podas a serem feitas
Alguns galhos a serem descartados
Para que a luz atravesse melhor

Adeus

Vou deixá-lo desaparecer
Qual comprimido efervescente
Que dissolveu divertindo
E depois deixou a água parada
Transparente, imóvel
Como se nada ou pouco
Tivesse acontecido

Vou deixar sua imagem se desfazer
Como miragem no meio do deserto
Que a gente não teve certeza
Se viu ou desejou ardentemente
Criou pela necessidade do momento
Que era sorrir por acreditar

Vou esquecer do seu toque
Seu cheiro, seu lábio inferior
Seu torso nu e nosso riso
Para me forçar a não querer mais
Porque o prazo de validade foi atingido
E eu quero guardar na memória
Só o bom de nós

segunda-feira, 14 de março de 2016

Vínculo

E porque eu tenho raiz
Eu fico
E porque ele tem asas
Ele vai

Vai mas deixa o cheiro
Fico e ele leva o sonho
Durmo e aguardo o riso
Ele acorda pensando em mim

E porque a leveza é dele
E porque a destreza é minha
Ele sempre volta e eu estou
Esperando sorridente e sozinha

domingo, 13 de março de 2016

Variações Sobre a Espera

A espera é doce quando a flor é tão linda e perfumada quanto saboroso será o fruto.
A espera é música quando ouço seus passos num volume crescente, em intensidade de aproximação.
A espera é alegria quando sei que, à distância, ocupo os pensamentos de quem faz planos para nós.

sábado, 12 de março de 2016

Percepção

Eu devo parecer muito frágil
Porque se preocupam com as minhas paixões
Os meus planos e brincadeiras
E não cogitam que sei calcular os meus riscos

Eu devo parecer muito inflamável
Porque quando me falam indecências
O meu riso é frouxo
E a minha carne é quente
E se eu quero, não há limites

Eu devo parecer confiável
Porque problemas desembocam em mim
Meus ouvidos, meu sorriso
Minha preocupação e intenção
E geralmente eu os soluciono

Eu devo parecer explosiva
Porque as pessoas se acostumam com a doçura
E testam os limites e abusam do crédito
Que pensam ter até a decepção
Até rolarem ladeira abaixo, depois da patada

Eu devo ser transparente
Para quem olha com boa vontade
Ou tão límpida, limpa, brilhante
A ponto de refletir o âmago das pessoas
E elas ainda acharem que a culpa ou o mérito são meus