sábado, 30 de julho de 2016

Artista

Da arte
De cuidar de si
E de Deus e o mundo
Como se fosse tudo seu assunto
O meu menino sabe

Da arte
De raspar o prato
E comer todo o disponível
E agradecer até o sem sal
O meu menino sabe

Da arte de falar "até logo"
Se despedir como se fosse "adeus"
Não lamentar o que não se garante
E tornar o momento feliz
O meu menino sabe

(E finge não saber que eu gosto dele).

Diamante

O carro voltou da oficina
Tem que pagar o restaurante
A gata vomitou de novo
Uau, ele fica bem melhor de barba!

Precisa buscar o remédio na farmácia
Levar o cobertor na lavanderia
Vou mandar uma mensagem pra ele rir
Onde mesmo eu guardei os ingressos?

Aliviada, a cirurgia foi marcada
Dia de fazer as contas do mês
Vou deixar as crianças dormirem até mais tarde
Quem é esse desconhecido no Whats?

Ajusta aqui, sorri dali, de olho no relógio
Planeja, se parabeniza, aguarda, interage
É a vida rebolando pra fazer feliz
Essa alegria de equilíbrio: multifacetado

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Pergunta

"Mas, afinal, amar é o quê?"
Sabe quando você ouve uma música, e tenta lembrar de outra, e não consegue, porque a atual preenche todos os cantos do seu cérebro?
Para responder àquela pergunta filosófica, ela precisaria pensar em outra pessoa, outros tempos, a outra que ela mesma tinha sido. Com mais fé, boa vontade, expectativas e sonhos.
Desistiu logo. Certamente o que perguntava sentia o mesmo que ela, por ele, mas nunca havia sentido o que ela tinha sentido, antes. Por outro.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

... E Chocolate

Se eu quiser chamar de romance, eu chamo
E você não tem nada com isso
Pinto a vida com as minhas cores
Incremento, aumento o viço

Não tem expectativa não, baby
Deixe a vida que se ajeite
Vou curtindo enquanto acontece
Esse amor café-com-leite

domingo, 24 de julho de 2016

A. B. C.

Àquela altura, eu tinha 19 anos e ele, 23. Ousou trazer uma garrafa de vinho, que dividimos em canecas de porcelana, porque eu morava numa semi-república, e nunca fui de beber, mesmo. Não tinha taça, e não fez falta.
E aí pudemos dar os beijos que não demos 6 anos antes, quando a madrasta dele disse para a minha tia que ele gostava de uma das sobrinhas dela, e eu achei que, obviamente, só poderia ser a outra: a morena de beleza exótica, que era vizinha, mas também a chamava assim. Mas na travessia da balsa, a minha tia apontou para a minha cabeça, e ela fez um sinal de positivo, e eu achei que fazia muito sentido, porque a gente tinha, mesmo, conversado sem parar, na beira do palco do Teatro Municipal de Santos, sobre como as nossas famílias eram tribos, e bater papo já era o meu forte, naquela época. Eu também tinha desconfiado que quando ele dava caldo na irmã, no mar, era para me fazer dar risada e nadar até lá para salvá-la e chegar mais perto dele. Pobre ruivinha.
Daí ele resolveu dizer que eu atraí a atenção dele desde o começo, e eu, com essa minha memória e sinceridade irritantes, contei que não, não tinha sido assim. Ele ficou muito sério e esperou a explicação. O fato foi que na virada de 1983 para 1984, ele estava com o único irmão que tem lá na Escola de Samba X-9, e eu o paquerei insistentemente, e fui total e completamente ignorada. Nem uma única olhada me deu. E contei como eu tive vontade de chorar, porque eu sabia da superstição de que tudo o que acontece na virada do ano vai acontecer em todos os dias do ano. E eu acreditei sinceramente, e com tristeza, que seria esnobada pelos meus paqueras pelo resto do ano.
Ele riu e a nossa história não terminou por ali. E eu nem sei se terminou, ou se ele vai continuar como tantos dos meus amores, que parecem pedras que são jogadas com força num lago, que quicam várias, várias vezes, em espaços variáveis de tempo, até pesarem para alcançar o fundo, onde nunca serão esquecidas, A não ser que Deus o liivre, o Alzheimer chegue, mas ainda terão uns quarenta anos para render histórias. E poesia.

sábado, 23 de julho de 2016

Caleidoscópio

Existe um caos inerente à vida
Que alguns abraçam
E nele até se viciam
Alguns fogem como se dor fosse
Outros administram como podem

Vem com sentir, querer e se frustrar
Planejar, ver escapar, se deixar levar
É encarado com graciosidade por alguns
E desespero por outros, insegurança

Tem gente que se nega a ver
E se agarra a algo, uma esperança
É a garantia de nada
O controle de muito pouco
A incerteza da maioria das coisas
A doutrina do "sei, mas não tudo"

E palavras como "sempre, nunca, sim, não"
Talvez nem devessem mesmo existir
Porque há um caos inerente à vida
E absoluta, mesma, só a morte
(E talvez nem ela)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Limeira

Essas ruas pelas quais você anda tão displicentemente
Me viram chegar de longe - eu e meus irmãos
Jogos de queimada e bolhas de queimadura nos pés
Corridas após tocar campainhas e raladas de joelho
Revezamento em bicicletas e acidentes por falta de freio
Carrinhos de rolemã
Brincadeira de polícia e ladrão
Pipas feitas com farinha de trigo
Cana-de-açúcar puxada de caminhão com a conivência do motorista
Amarelinhas feitas de giz e bate-boca que pisou/não pisou na linha
Roubo de skate
Os primeiros selinhos entre a molecada
Os bailinhos de garagem
A gente alugando patins de quatro rodas no clue
O dia em que eu abri a janela enrolada numa toalha bem na hora em que passava um ônibus com um time de futebol
As ruas ouviram os aplausos e também as fofocas sobre o divórcio dos meus pais
Talvez as ruas tenham chorado
A minha partida no dia do meu aniversário sem a minha mãe
E visto os amigos que chegaram para a festa e encontraram a porta fechada
Esses paralelepípedos que você pisa indo para o trabalho
(Sorrindo contente por ter me conhecido)
Sabem o meu nome de cor
E talvez até estejam felizes por nós

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Desabafo

Lágrima de mãe não rola por pouco motivo
E nem por muito tempo
Surge por dor, medo, desespero
Saudades, mal entendido
Às vezes emoção intensa
Às vezes um desejo atendido
Mas a lágrima de mãe mais frequente
Só tem o chuveiro por testemunha

Misteriosa

E quem é que sabe
Lá pelas tantas
(E depois de tantos)
O que ela quer - ou deixa de querer
E se no que ela fala
Tem discernimento

E quem é que sabe
Lá no íntimo
(E depois dos solavancos)
O que ela encara - ou deixa de antever
E se do que ela cala
Tem entendimento

E quem é que sabe
Lá na fonte
(E depois da seca)
O que ela jorra - ou guarda para o próximo
E se o que ela planeja
Tem cabimento

sábado, 16 de julho de 2016

Gente

A minha vida tem gente que volta
Porque tem boa memória
Pro que houve e foi bom
Mas volta procurando a fonte
E continua com pouco
Pouquíssimo ou quase nada
A oferecer

A minha vida tem gente que volta
Porque tem memória seletiva
Pro que foi ruim
A negligência, o abuso, o descaso
E volta procurando a fonte
Pra recolher juros e correção
Do investimento que nunca fez

E a minha vida tem daquela gente
Que é gente, mesmo
Feita da minha matéria
Que o mar bateu, lavou, castigou
Mas nunca nem cogitou
Ir embora e me deixar sozinha
Pra eles a fonte nunca seca

Ame-se

Bom dia pra quem se ama tanto, que se dá um plano para o futuro, e tem a paciência de fazer o que é necessário para atingi-lo. E é feliz e esperançoso durante o processo todo.
Bom dia pra quem se ama tanto, que cuida de si mesmo, seu corpo e sua alma, porque a convivência consigo tem que ser harmoniosa.
Bom dia pra quem se ama tanto, que dá para si mesmo de presente: bons momentos, boa companhia, e a descoberta do diferente - para apreciar ou escolher se afastar.
Bom dia pra quem se ama tanto, que acaba transmitindo as mensagens para os outros: "eu valho o seu amor" e "eu sou capaz de amar você".
Café porque hoje é sábado e um pouquinho menos previsível do que os dias da semana.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Passatempo

Eu quero

Um amor entretenimento
Tipo máscara de Carnaval
Tipo pipa solta ao vento

Como ópera que não dói
Como pluma que não cai
Como brisa que tocou

Eu quero um riso que ecoe
Um grito que me acorde
Um cantor ao meu ouvido

Um brinde do destino
Um pecado, um desatino
Um amigo, um menino

Que encoste sem atracar
Seja só um barquinho a velejar
Que deixe saudades ao se afastar

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mãezinha

Ela tem centenas de histórias dele criança
Eu não tenho uma dúzia das dele adulto
Mas as trocamos mesmo assim
Ela me promete doces
Eu lhe prometo preces e uma visita
Ela suspira de lá
"Que saudades dele"
E eu suspiro de cá
"Que saudades dele"
E eu a admiro de longe
(Sobreviveu ao meu pior medo)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Colegas

Eu me lembro vagamente de que ele morava perto da minha melhor amiga.
E às vezes eu tocava a campainha dele.
Lembro da gente embolado na cama embaixo da janela pra ele ver os cravos do meu rosto melhor. Espremia sem dó e dizia uma frase que só não revira estômago de cirurgião. E a gente ria.
Ele era um cavalheiro e eu o admirava por isso. Mas talvez apenas tivesse muita consciência de que eu era menor de idade (fui, na maior parte da faculdade).
E a gente se beijava muito.
Eu não sei se ele se lembra disso. Sobre certas coisas, não se conversa depois de 30 anos de águas por baixo da ponte.
Mas, vez ou outra, eu vejo a foto dele no Facebook e me lembro que passei a noite sonhando com ele.

domingo, 10 de julho de 2016

Enquanto Dure

Vou celebrar cada chegada
Mas não chorar a partida
Porque a primeira é sempre uma surpresa
E da segunda eu nunca tenho dúvida

sábado, 9 de julho de 2016

Normalização

Não adianta negar
Quando a raiva passa
A poeira assenta e esculpe o seu rosto
O ar pede o seu cheiro
A boca clama pelo seu gosto...

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Genética

A minha memória celular tem mar
Canoa, rede, peixe, facão
Um avô que falava tupi-guarani
Uma mãe que come até o olho do peixe
Tios Yara, Ubirajara, Potiguara
Primos Humaitá, Arari, Aracanã

E eu não como peixe com espinha
E não entro em mar acima do umbigo
Morro de afliçao se alga encosta
Não quero encher o carro de areia

A minha memória celular tem roça
Gente que sabe a diferença entre rúcula e agrião
Planta, torra, mói, coa café
Cria galinha, nomeia, mata pra canja
Planta cana, espreme garapa
Monta o cavalo no pêlo

E eu gosto de farmácia perto
Supermercado, quitanda
Frango congelado na bandeijinha
Cavalo solto, só pra olhar

E de onde foi que me veio
Que meu habitat tem tetos altos
Mil bactérias e cheiro de álcool
Sofrimento e alívio
Nascimento e morte
Primeiro grito e último choro

Seria da tataravó parteira?
Algum pajé caiçara desconhecido?
Não sei, me basta ter encontrado
Meu próprio caminho feliz

Constância

Às vezes, tudo está tão bom que você não quer mudar uma vírgula, com medo de desandar.
Daí, vem a vida e muda a pontuação do parágrafo inteiro.
E você vê que o sucesso se deve à qualidade dos ingredientes. E não à receita do bolo.

Simples

Boa noite para quem é lindo e transparente de alma, sem saber o efeito que isso causa nas outras almas: as que têm olhos para ver.
Quem encanta sem esforço e cálculo, e dura mais do que se podia prever.
Quem pode ser levado numa lufada de vento, mas fica guardado na memória, por simplesmente merecer.
E que não vai nem ler nada disso, porque está muito ocupado, nesse momento, a viver.

:) Vou ter que decorar e sussurar no ouvido?!

Bom dia

Bom dia para quem sempre encontra um trampolim no fundo do poço!
E quem tem amigos que jogam uma cordinha.
E quem escala paredes bem.
E quem ainda está bolando um plano.
E quem não tem ideia do que eu estou falando.
Café para que a subida seja mais rápida e enérgica que a queda.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Entreaberta

Tanto horário
Consulta
Conta
Mensagem
Problema
Solução

Tanta reunião
Planejamento
Negociação
Estudo
Trajeto
Execução

Só resta
Ao amorzinho
Chegar de mansinho
Silencioso
Como quem não quer nada
Esgueirar-se

domingo, 3 de julho de 2016

Espera

A minha espera
Tem nome e sobrenome
Uma cor linda
E um rosto feito para beijos

Ri fácil
E se cansa pouco
Passeia num universo paralelo
Sem preconceitos e consequências

Manda-me mensagens obscenas
À distância e sorri
Quando eu respondo:
"Não vejo a hora"