segunda-feira, 28 de março de 2016

Falta

Sinto saudades de você
Da sua sombra
Misturada ao meu lado escuro
Dos seus olhos na minha boca
Da sua coluna arcada pra frente

Sinto falta da sua voz
E da rede de proteção que você armava
Das vezes em que me ergueu pelas axilas
De mandá-lo embora
E virar o rosto pro outro lado
Sentir seu travar dos maxilares

Sinto falta da sua atenção e dos seus planos
Da minha estratégia para não ser esquecida
Mas sinto mais falta
Ah, como sinto!
De desejar alguém
Com a força de todas as minhas vísceras...

sábado, 26 de março de 2016

Herança

Vi um menino sendo treinado
Para cuspir balas de chumbo
Pelo pai
Que vomitava pixe fervente
Ensinado pelo avô
Que vertia bile escura
Cujo pai também
Expelia veneno de jararaca

Se eu fosse investigar
Mais gerações passadas
Onde teria chegado?
Em Adão, talvez?
E onde se parte essa corrente?
Num amor antídoto
Num gesto de coragem
Numa prece de mãe

O Meu Anjo

O meu anjo
Parece o Mogli
E olha para o teto
Quando fica com vergonha

O meu anjo
Sorri enquanto trabalha
Dorme até tarde
E fala palavrão

O meu anjo
Quer ganhar na loteria
Me faz rir todo dia
E peca como ninguém

Páscoa 2016

Enquanto os meus filhos dormem, e a minha sobrinha também, eu tenho um tempo de preguiça e de escolha do que fazer, e para onde olhar.
E eu gostaria de não estar aqui.
Gostaria de estar numa praia deserta, com areia quentinha sob os meus pés, e tomando um pouco de sol, para fortalecer os meus ossos. Sim, porque eu me cuido, e penso nas necessidades básicas que negligencio, pela escolha do estilo de vida que fiz. Um pouco mais de sol cairia bem.
Gostaria de estar carregando uma bacia com várias conchinhas, de vários tamanhos e cores, cada uma sendo meus amigos queridos. Essa bacia não pesaria.
Gostaria de sentar onde as ondas terminam, com uma peneira para cuidar delas. E ter algum tipo de Super Bonder mágico, que o desejo é meu, eu invento o que eu quiser.
E eu gostaria de ter algum tipo de monóculo daquele que se põe num olho só, para ver onde reparos são necessários, e toda a beleza própria de cada uma delas me encantaria.
E eu as lavaria na água do mar, as beijaria uma a uma, conversaria no ouvido delas (sim, minhas conchinhas têm ouvidos funcionantes), e, num sopro, as retornaria para o lugar ao qual pertencem, restauradas e brilhantes.
Porque se há um defeito que eu tenho, nessa vida, é a arrogância de querer fazer diferença na vida das pessoas. E se há algo que me frustra, é ter que reconhecer os meus limites, em termos de capacidade, permissão e conhecimento da verdade de cada um.
Mas o sonho (acordado) é meu, e se de alguma forma energia é mandada pelo simples fato de existir intenção, as minhas conchinhas se sentirão melhor, hoje. Mesmo sem saber que estiveram na praia, hoje. Mesmo sem saber que são "minhas" conchinhas.

OBS: alguém verifique o teor alcoólico do tal do própolis, por favor. Foram 25 gotas.

Feliz Páscoa, pessoal!

quinta-feira, 24 de março de 2016

Confessionário

Seu padre
Não sei quando volto
Talvez mês que vem
Talvez no outro ano
Quiçá na outra vida

O tempo do jejum acabou
Descobri a terra
Do leite e do mel
(E do chocolate)

Os pecados são muitos, seu padre
De acordo com a lista
Que me fez decorar
O problema, meu senhor
É esse arrependimento
Que nunca quer chegar...

quarta-feira, 23 de março de 2016

Cassino

Tem gente que gosta
Da simulação da vitória
Do blefe e da perfídia do jogo
Mesmo que perca as calças

Tem gente que nem tenta
Porque acha que não tem cacife
Malícia ou coragem suficientes

Tem gente que chega descalça
Aposta a única e mais valiosa ficha
E ganha o prêmio acumulado

segunda-feira, 21 de março de 2016

Missed

Navio em alto mar, baby
Engano de marujo inexperiente
Achou que promessa de emprego
Faria a embarcação aguardar

Distraiu-se com conversas
Jornais, cartas, bebedeira
Agora só resta chorar

Aventure-se em outra viagem, baby
Que essa opotunidade
Para você não retornará

Perdoar

Perdão é sentimento
É processo de cicatrização
vem de dentro para fora
Dói conforme a profundidade da chaga

Convém não arrancar a casca
E observar sinais de infecção
Um amigo pode ajudar na sutura
Mas é a natureza que conclui o processo

Perdão forçado é arrogância
Fingir perdão é trair a si mesmo
Um dia a casca cai sozinha
Mas o tecido em baixo é cicatricial
(Perde a função)

Vinhos

Sou uma sommelier de pessoas.
As que me despertam curiosidade eu chamo para a minha taça. Homens e mulheres, de todas as idades.
Convite aceito, observo. Discretamente. Mas contra a luz. Se gosto do que vejo, cheiro e bebo, no limite do que me é permitido. Nenhuma conotação sexual aqui. Na vasta maioria das vezes.
Não vai passar batido que a íris é castanha com raios verdes e o riso sai fácil. E que forma uma covinha na bochecha direita, que, talvez não por coincidência, foi a mesma que elogiou em mim.
Na outra, se destaca a linha do nariz. Na outra, a orelha miudinha, perfeita.
A voz. O perfume. O hálito. A aspereza ou a maciez das mãos. O olhar. O jeito de se inclinar. As histórias. As cenas em que me colocam. Quão bem são descritas.
O último namoro, o rompimento. Ter olhado para mim e não ter me visto: tudo se encaixa. Muito faz sentido. Flui.
O jeito que lava as mãos: igual a um cirurgião, até os cotovelos. Entendo o porquê.
Os olhos que mareiam porque a ferida, estranhamente coincidente com a minha, ainda não cicatrizou. O livro que poderíamos escrever a quatro mãos.
E por aí vai...
E isso não tem nada a ver com apego ou paixão. Ou pode até ter, mas ao ser humano, e alguns são encantadores. Não romântico, não uma procura, não um cálculo dos possíveis desdobramentos. Duas pessoas vivendo um momento. Criando um movimento. Acolhendo.
Eu não desenho ou pinto, mas meus olhos os enxergam em detalhes e registram. Posso não notar com realismo todas as nuances, mas eles me causam impressões e memórias factuais e emocionais que resistem ao tempo. Talvez eu consiga usar as palavras para expressar vagamente a experiência. Vale a tentativa.
Enriquecedor. Sempre. Com os vinhos certos. Vinagres são descartados na pia.

sexta-feira, 18 de março de 2016

IVAS

Rezando por um pouco de silêncio
Para minimizar o estrago
Tanto eu pedi "chega, chega"
Que agora a rouquidão me cala

Então, por caridade
Cale-se também
Retraia-te ao teu mundinho
Que eu vou recompor o meu

Tem flores mal regadas
E podas a serem feitas
Alguns galhos a serem descartados
Para que a luz atravesse melhor

Adeus

Vou deixá-lo desaparecer
Qual comprimido efervescente
Que dissolveu divertindo
E depois deixou a água parada
Transparente, imóvel
Como se nada ou pouco
Tivesse acontecido

Vou deixar sua imagem se desfazer
Como miragem no meio do deserto
Que a gente não teve certeza
Se viu ou desejou ardentemente
Criou pela necessidade do momento
Que era sorrir por acreditar

Vou esquecer do seu toque
Seu cheiro, seu lábio inferior
Seu torso nu e nosso riso
Para me forçar a não querer mais
Porque o prazo de validade foi atingido
E eu quero guardar na memória
Só o bom de nós

segunda-feira, 14 de março de 2016

Vínculo

E porque eu tenho raiz
Eu fico
E porque ele tem asas
Ele vai

Vai mas deixa o cheiro
Fico e ele leva o sonho
Durmo e aguardo o riso
Ele acorda pensando em mim

E porque a leveza é dele
E porque a destreza é minha
Ele sempre volta e eu estou
Esperando sorridente e sozinha

domingo, 13 de março de 2016

Variações Sobre a Espera

A espera é doce quando a flor é tão linda e perfumada quanto saboroso será o fruto.
A espera é música quando ouço seus passos num volume crescente, em intensidade de aproximação.
A espera é alegria quando sei que, à distância, ocupo os pensamentos de quem faz planos para nós.

sábado, 12 de março de 2016

Percepção

Eu devo parecer muito frágil
Porque se preocupam com as minhas paixões
Os meus planos e brincadeiras
E não cogitam que sei calcular os meus riscos

Eu devo parecer muito inflamável
Porque quando me falam indecências
O meu riso é frouxo
E a minha carne é quente
E se eu quero, não há limites

Eu devo parecer confiável
Porque problemas desembocam em mim
Meus ouvidos, meu sorriso
Minha preocupação e intenção
E geralmente eu os soluciono

Eu devo parecer explosiva
Porque as pessoas se acostumam com a doçura
E testam os limites e abusam do crédito
Que pensam ter até a decepção
Até rolarem ladeira abaixo, depois da patada

Eu devo ser transparente
Para quem olha com boa vontade
Ou tão límpida, limpa, brilhante
A ponto de refletir o âmago das pessoas
E elas ainda acharem que a culpa ou o mérito são meus

quinta-feira, 10 de março de 2016

Vida

Estampado na minha pele
Nenhum prazo de validade
Sempre soube que a minha conservação
É de minha responsabilidade

Já perdi as contas das ondas
Que pulei com dificuldade
E dos tsunamis que rolaram dos meus olhos
Nos amores de eternidade

Mas o cheiro de maresia me pertence
O horizonte ao longe é o que eu quero
A dança dessa cena eu escolho
Ora samba, ora tango, ora bolero

Ansiedade (Para Aden)

A espera é um furacão vindo do oceano a 2,5 km de velocidade, que foi detectado pelo meu radar há 3 meses.
A espera é uma fome que me torce o estômago olhando o quindim reluzente da confeitaria fechada.
A espera são as minhas veias pedindo picadas e você as usando para me mover como marionete.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Cantiga

Se essa rua fosse minha
Eu te dava uma casinha
Para morar perto de mim
E decretava que morador nenhum
Poderia vestir uma camisa

Não pavimentaria com brilhantes
Para que continuasses a andar descalço
Encheria as tuas mãos com eles
Para que vivesses teus sonhos
Que te levariam pra longe de mim

(Sim. É um sentimento confuso...)

domingo, 6 de março de 2016

Labirintite

Você
Com sua colher
De pau

Mexe algo aqui dentro
E eu
Sem rumo

Me ancoro na parede
Aquela em que você já esfregou
A minha coluna dorsal

E tudo roda
E eu espero
O fim da inércia centrífuga

Porque você pensa que é nada
E eu sei que não é tudo
E está na hora de você parar de me cozinhar

terça-feira, 1 de março de 2016

Provocação

Vou tocar a cereja com a ponta da língua
Não colocar na boca
Muito menos engolir

Sambar sobre os escombros
O nosso castelo abaixo
Já não há o que ruir

Não se preocupe
Não ficará à margem na minha vida
Você é a minha carta fora do baralho preferida