terça-feira, 30 de agosto de 2016

Adeus

Não vais cedo
Não vais tarde
Vais na data exata
Do prazo de validade

A essa altura nem me importo
Que me lembres ou me esqueças
Mas oro de coração
Pra que a outra não te enlouqueça

Cais

Na beira do cais
A sua solidão
Encostou na minha
E já era hora
De cuidar de mais alguém

Mãos entrelaçadas
E no coração a paz
Nunca antes existente
A de finalmente
Ser cuidada

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Padeiro

Padeiro

Apesar da sua boca torta
Me amarrei na sua cor de café expresso
Era só você chegar no balcão
Meu céu virava o de brigadeiro
Você pra mim era um pão
E eu só no sonho
Um suspiro atrás do outro
Eu o chamei pra minha cobertura
Pra experimentar baba-de-moça
Talvez até umas coxinhas
E você me deu o bolo
Agora tenha juízo
E use o miolo
Não apareça na minha frente
Se não quiser levar bolacha

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Marítima

Não me olhou de pronto
Não me olhou nem de canto
Minha alma ferida
Caprichou na cantiga

No mar fui deixando
Minhas lágrimas em rastro
Mas acabou por chamar meu nome
Seguramente amarrado ao mastro

Para Raul Drewnick, que mostrou ter juízo.

domingo, 21 de agosto de 2016

Universo

Carrego tantas lembranças
Num universo sem fim
Algumas vívidas, outras quase transparentes:
Borrões dentro de mim

Carrego tantos amores
Gente que não envelhece na memória
Alguns sabem, alguns desconfiam
Outros não entraram pra história

Carrego critérios dos quais não sei
O que marca, o que não
O que separa um tipo do outro
O que é premiado do que tudo tenta em vão

E acho mesmo muito justo
Que seja assim para os outros
Para alguns sou diamante
Para outros, vidro fosco

A vida segue como deve
Em multitude de cores
E amanhã e os outros dias
Trarão novos sabores

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Falésias

Hoje eu acordei
Na imobilidade morna das falésias
Que vêem areias sendo arrastadas pelo azul
E se perguntam se sua vez chegará

Hoje eu vivi o dia
Com a beleza entediante
Da paisagem de tirar o fôlego
Que lhes é imposta por ora

Hoje eu vou dormir
Pagando o preço de minha natureza
Agradecendo o privilégio-praga da consistência
Que aparenta durar até o fim do mundo

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A Última Paixão

Era mais que amor
Era uma febre visceral
Uma gagueira de incongruências
Uma tempestade química
Ou talvez nem fosse

Era mais que um homem
Era o encontro de expectativas
Um poder descomunal
Um mistério inominável
Ou vai ver nem era

E éramos muito
O casal do poder
Os anjos do bem
A mão do destino
Ou pura arrogância patética

Deus me livre
Amar e desejar daquele jeito
De novo

Leilão

Preço é uma coisa
Valor é outra
Minha plaquinha deixo descansando no meu colo
Espera o próximo lance
Certeza que a outra te quer muito mais

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nunca

Parecia resposta a prece
Eu só esqueci que não rezo
Tolice de quem acha
Que a vida nos deve alguma compensação

O contrato era perfeito
A ilusão da transparência
A lama habitava o outro peito
Os meus pés eu sempre enxerguei

Amar é privilégio dos fortes
E a si mesmo é raridade
Às vezes a sinceridade
Só chega quando o ódio explode

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Salvador

Você mar
Eu praia
Seu destino é me alcançar
Você invade
Sem pedir
Eu me deixo inundar
Recolhe suas ondas
Eu me rarefaço
E o espero voltar

Único

Só você
Me canta
Me encanta
É a quem
Eu quero bem

Só você
Me beija
Me cheira
Me esfrega
Só você me tem

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Carreira

Um dia meu avô me sugeriu
Largar os estudos
Aprender a cozinhar
Minha mãe riu

Um dia ela me viu
Canudo na mão
Portas abertas
Um mundo a conquistar

Um dia meu avô ficou doente
E me conheceu melhor
Eu não o alimentei
Mas pra mim ele tirou o chapéu

Regras

Não precisa ser meu
Meu amor
Meu amante
Meu namorado
Não vai ganhar título
De mim

Não precisa me vigiar
Não há posse
Nem pertencimento
Um ao outro
Só a entrega
Ao momento

Só precisa ser homem
E vir com coragem
De saber o que quer
Pronto pra receber
O que eu trouxer
E o que eu der

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Amigo

Ele tem os olhos daquele verde que só aparece num dia ensolarado. E me distrai da conversa. Os olhos de um tio amado meu. Eu pularia dentro desse verde e daria umas boas braçadas estilo borboleta. Eu me aproveitaria desse amor. Se não o amasse.
E as décadas passam e nada muda.
Às vezes, eu penso que o confundo com o meu tio. Ao achar que ele classificaria qualquer desatino meu como criancice, e seguiria me orbitando. Com a diferença de que nunca me viu como criança. Nem mesmo quando éramos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Desorientado

Pode perder
O rumo
O prumo
A identidade
O trem

Pode perder
A carteira do clube
O juízo
A hora
A cabeça
Todo vintém

Pode perder
A memória
Parcial
O jogo crucial
A noção
Do bem e do mal

(Só não perde o número do meu telefone)

Sobre os Motivos

Os meus olhos o celebram
Eu acho você bonito
E é simples assim

Você me faz rir
Eu gosto das suas histórias
E é simples assim

Você me aquece
Eu gosto do seu abraço
E é simples assim

Você me manda mensagens
E nessa hora gosto de saber
Que você pensa em mim

Um casal impossível
Uma amizade improvável
Eu gosto das nossas diferenças
E é simples assim

domingo, 7 de agosto de 2016

Escritor

Porque o corpo que me pesa
Finca as minhas raízes no chão
Fome, sede, frio, contas
Sol, chuva e furacão

E o que me chama às nuvens
É etéreo, fugaz comichão
No que desafio a gravidade
Alcanço vôo em sofreguidão

Meliante

A alegria e o desejo me assaltarão
No dia em que você voltar
E para o alto minhas mãos irão
(Para o meu vestido você arrancar)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Trajeto

Ele fala aos borbotões e não se interessa se eu gosto do assunto ou não. Ou melhor, dos assuntos. Pula de um para o outro da mesma maneira que o demônio da tasmânia deve devorar um quitute após o outro. Igual criança: caramujo, borboleta, mar, lua e estrelas"...
E eu o ouço, enquanto dirijo "o carrão", que já determinou-se que só serve para podermos ficar juntos.
Vez por outra, quando ele está recuperando o fôlego, tenho a chance de dizer a minha opinião. Ou contar uma história. E ele me ouve. Não sei disso por ele falar muito a respeito, na hora. Mas pela maneira com que toca no assunto semanas, às vezes meses depois, mostrando que ficou digerindo a informação igual a uma piton apaixonada. Suponho eu.
Já cheguei a estar com a bexiga estourando, e tive que interrompê-lo para ir ao banheiro, pedindo que ele segurasse o ponto em que parou, e ele continua com a mesma eloquência de antes.
Talvez por isso o silêncio soe estranho.
Espero que por isso.
Tem que ser isso.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Ampulheta

No tempo
Em que o teu passatempo era eu
O meu "para sempre" era tu

No tempo
Em que o teu parapeito era meu
Todo o meu eu não te bastou

No tempo
Em que o tempo de me amar me alcançou
Todo o teu choro não me comoveu