segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Sobre Saudade

Não morreu Maria com Cristo
E com Sua ressuscitação não cessou seu pranto
Seguiu chorando de saudade
Enquanto ajudava a criar netos, bisnetos e tataranetos
Juntava as lágrimas em terços
Infinitos perfilados benditos
Que deram a volta ao mundo
Setenta vezes sete vezes sete vezes sete

domingo, 27 de novembro de 2016

Dia e Noite

Tem dia que a gente acorda divertida
Sai pra passear
Assiste um filme
Vive um bocado

Tem noite que a gente está meio abusada
Toma coragem
Mata a curiosidade
De um condenado

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Término

Um dia você chegará
E estarei ouvindo mais
E sorrindo menos
A casa estará perfumada
E eu o colocarei no colo
Cherarei seu cabelo
E massagearei seus pés
Beijarei suas mãos
E darei um presente
Um dia você chegará e perceberá
Que a sua vez acabou

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Sobrenome

Um dia, eu encontrei uma amiga de infância e o marido no shopping, e fui apresentada. "X, essa é a Arlete". Ele sorriu, na hora: "a Arlete do Fulano?" Ela ficou sem graça e desconversou. Eu ri. Fulano era um grande crush meu do qual ela bem sabia, e obviamente eu estava muito curiosa sobre o porquê de ele estar me chamando de "a Arlete do Fulano". Porque este é um sobrenome que me agrada.
Conversa vai, conversa vem, muito espontâneo, ele acabou contando que a vida os aproximou do Fulano, que falou muito bem de mim, e cujos olhos brilhavam, ao fazer isso.
Toda vez que eu encontro esse casal, tenho vontade de dizer pra ele: "Lembra de mim? Eu sou a Arlete do Fulano." E é claro que ele sabe quem eu sou. Eu só quero repetir a ideia.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Ana e o Rei

No ótimo filme "Ana e o Rei", com Jodie Foster, ela é uma professora inglesa que vai à Tailândia, na época Ceilão, ensinar os filhos do rei. Num diálogo com uma das concubinas, no dia seguinte à noite de núpcias, essa conta que acreditava, porque o pai dizia, quando criança, que o rei era capaz de fazer a chuva parar ou começar. E então ela dá um olhar triste. Ana pergunta: "E agora?" "Agora, ele é apenas um homem".
Acho interessante a nossa necessidade de enfeitar, dignificar, colocar um ar mágico em certos aspectos da vida, certas profissões, transcender alianças, torná-las abençoadas, para acreditar mais. Faz sentido, em se tratando de religião, e durante a infância e a adolescência, mas algumas pessoas levam ao extremo, a vida toda.
Mas "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Eu prefiro um rei homem a um que faça chover. Aliás, precisa nem ser rei.

domingo, 20 de novembro de 2016

Reflexão

Não existe "desperdício de amor". Existe desencontro de intenção, de interesse, de momento na vida, de fase, de planos, nunca de amor. O sagrado fica e é aproveitado. Lindo e positivo.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Trégua

Aprecia melhor a paz
Quem viu o reflexo do sol no escudo do inimigo
E da lua na adaga antes de sentir o cheiro do próprio sangue
Esses molham a bandeira branca com lágrimas de alívio
(Porque se não fosse pra guerrear, eu nem tinha nascido)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Piano

As coisas mais lindas
Inalcançáveis
Inesperadas
E livres

As íntimas
Verdadeiras
Sinceras
E viáveis

São vividas a sós

A cada um cabe achar as notas de seu próprio coração

sábado, 12 de novembro de 2016

Noite

Hoje, a noite é de pausa
Serena, melancólica
Aliviada e chorosa

Hoje o amor manco lamenta
A cegueira do amado
Querendo arrancar-lhe os dentes
Num único soco

Hoje a sopa de letrinhas da ceia
Que forma a palavra "alegria"
Vai ter que ser batida no liquidificador
Pra vencer o nó na garganta

(Porque o amor tem tantos defeitos quanto a natureza humana)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Arte

Ao invés de se lamentar não respirar embaixo d'água
A gente imagina
Ao invés de chorar não ter asas
A gente sonha
Ao invés de se lamuriar por não viver pra sempre
A gente escreve
Ao invés de se limitar às palavras
A gente dança
E ao invés de encarar a pequenez humana
A gente tenta amar direito

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Beijo

Um dia eu vou te dar um beijo
Vai ser do tamanho da saudade
Do comprimento da distância
Da altura do tesão

Vai ter a profundidade do bem querer
E a densidade do riso teu
Vai ter infinitos "ês"
E a duração da minha espera

(Um beeeeeeeeeeeeeeeijo
De te tirar o fôlego)

Chuva

Todo fim
Sim
Deveria ser assim
Com cheiro de terra molhada
E canto de passarinho aliviado
Com margarida pingando pequenas lágrimas
E cachorro rodando o corpo pra se secar
Com arco-íris cruzando o céu
E varal pedindo roupa pra pendurar
(Mas após tornados
A contabilização é de outro tipo)

Casulo

Eu vou providenciar para que não sinta frio
E, de novo, para não sofrer com o calor
Eu vou abraçar e beijar e decorar o seu cheiro
E depois soltar
Para que você possa ser feliz direito
(É assim que eu escrevo uma história de amor)

domingo, 6 de novembro de 2016

Concêntrico

É por você que os passarinhos disputam quem canta melhor
E a lava sai do centro da Terra para encontrar seus olhos
As flores se empenham no melhor perfume
Atraem abelhas na ilusão de chamar você

As borboletas suspiram não serem mais coloridas
Porque, distraído, você não dá atenção ao seu balé
O sol se exaspera quando você entra em casa
E a lua chora por você dormir escondido dela

Quero dizer
Não tenho certeza
Mas para mim, deveria ser assim

Leveza

Existe uma densidade sadia
Para envolvimentos
Pertencimentos
Desenvolvimentos
Relacionamentos

É o peso da existência
Dividido pelo prazer
Do acolhimento
Do enlevo
Do encantamento

É uma balança ultrasensível
Para quem espera pouco
E valoriza a leveza
(Quando se quer arte
Refuta-se o concreto)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Aposta

Há risco
Arisco
É o traço do destino
Rabisco
Desenho
O nosso desatino

Disfarça
Não faça
Bobagem, menino
Um erro
Um deslize
E saio de fininho

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Fenômeno

Na minha vida, ainda chove
Fino, ou forte
E por tempo variado
Molha pouco
Seca rápido
Às vezes nem guarda-chuva abro
Mas encharcar igual você:
Pouco provável
(Uma tromba d'água por encarnação)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Passarinho

Eu posso te dar
Um pouco do tempo
Que roubei pra chamar de meu
Eu posso te olhar
Como se mais nada no mundo existisse
Fazer carinho no cabelo teu
Eu posso escutar
Tuas histórias e medos e risos
Torná-los memória minha
Eu posso te embalar
Por uma noite ou pouco mais
Tornar-nos temporariamente "nós"
(E nada mais posso te prometer)