Simpatia

Aquela buzinadinha
De quando o vejo na rua
É pra você acenar
E meu coração disparar
Passo na sua academia
No seu horário
Pra você me ver
E a minha mão tremer
E você nem desconfia
Que o meu sorriso é saber
Que a saúde vai bem, obrigada
Você me ajuda a checar
(Sistema simpático positivo e operante)

Electra

Eu gostava quando você insistia
Amava quando desistia
Respirava aliviada
Quando o via voltar

Entendia a sua confusão
Você vinha sem nunca saber
Qual a resposta
Que iria encontrar

Eu gostava de imaginar
Que você me orbitaria
E o seu olhar na minha direção
Seria pra sempre

Me tratando como filha
Me querendo como mulher
(O destino sabe ser cruel quando quer)

Passagem

Soa em mim
O murmúrio do vento
Ecoa dentro
O tictac do tempo

Leva enfim
O seu perfume adormecido
Apaga os traços
Do há muito vivido

Fecha feridas
Restaura funções
Renova a vida
Pra novas lições

Chanty

Eu embrulhava o bicho numa toalha, um calor que fazia, mas precisava submetê-lo. Ele pegaria a pouca força que tinha para me arranhar, se pudesse.
Enfiava o comprimido no fundo da garganta dele, rezando para eu não pegar uma doença estranha de gato, e colocava a seringa com água de côco pra ajudar a descer.
Engolir parecia ser doloroso. Mais doloroso era ver algo que eu amava, queria íntegro e saudável definhar a cada dia. O enfraquecimento, o emagrecimento. Algo belo sumindo aos pouquinhos. Saber que se o momento de desistir chegasse, a decisão seria minha.
Foi assim com o nosso amor. A diferença é que o gato sobreviveu.

Rei

Você é o mais belo dos belos
E o sol se ressente de você
Enquanto a lua passa a noite sorrindo
Enamorada, feliz em te ver

E eu nem sei da sua alma
Sua vida, seus desejos secretos
Mas tem todo um palácio pronto
Aqui só esperando os seus decretos

Colombina

Não tem fantasia não
É assim que me apresento à vida
Um tanto de cor
Um tanto de alegria
Uma tonelada de ousadia
(E a maquiagem eu só tiro
Pra quem merecer)

Carnaval

Um brinde a la vida
Tin-tin
Por tê-lo feito lindo
Assim

Você não cabe nela
É ruim
Mas cabe direitinho
Em mim

Aurora

Eu me lembro do bom do antes
Apesar do mal do depois
E de ter pensado, na época
"Então é isso
Que é amar e ser amada"

E da paz e das perdas
Apesar dos ganhos
E de ter pensado, naqueles anos
"Então é isso
Que é ter uma família normal"

Eu me lembro de ter acordado
A bela que dormiu após as núpcias
Ter olhado pra trás
E ter percebido
"Não era nada daquilo"

Se

Se você fosse de ler
Eu te escreveria muito
Muitas cartas e poesias
Mas você não é
Então acumulo essas palavras
Pra sussurrar no seu ouvido

Se você fosse de planejar
Eu pegaria na tua mão
E te levaria aos melhores lugares
E te mostraria o bom do mundo
Que você não tem tempo
Pra descobrir

Se você fosse de amar
Eu te amaria verdadeiramente
Apaixonadamente
E pra sempre

Disfunção

Sua infelicidade faz sombra
No sorriso de quem ousa ser diferente
A manifestação da vida o incomoda
"Bom é carregar rancor dentro da gente"

Não tem nem noção
Do que é bem
Do que é bom
Do que é mau

Perto dele
Meu mingau tem gosto de sal
E a minha sopa
Uma colher de cal

Sobre o Z.

O coração eu remendei sozinha
Conforme foi partindo ao longo das décadas
Pouca coisa faz mais estrago
Que amar e depender de um narcisista

Para ele você é sujeito inexistente
A não ser que esteja batendo palmas
(E a memória é muito seletiva)

Sobre o Amor

O amor se encolhe por reflexo a cada agressão. E se expande cada vez que o amado abre espaço em sua vida para que ele exista.
O amor se ressente do que se tornou rotina de atenção e deixou de existir. Às vezes até pensa "antes não tivesse me acostumado mal".
O amor chora quando é cobrado em sua fraqueza e se alegra com elogios que sabe que merece.
O amor testa o quanto pode beneficiar ao outro e lamenta a cegueira de quem o menospreza.
Banquete é pra quem sabe degustar.

Corpo

O corpo humano é belo
Além da estética
Além do atrativo sexual
Além dos sentidos
Que o atiçam

O corpo humano é sagrado
Para além da alma
Que contém
Para adiante
Da vida que torna possível

O corpo humano é responsabilidade
De quem o tem
De quem o toca
De quem o lambe
De quem o prova

Sou Dessas

Sou dessas que pedem
Que não têm nada a perder
Que não perdem o sono
Com a opinião dos outros

Sou dessas que recebem
Um "não" com elegância
Mas aguardam a hora certa
De devolver

Sou dessas que vão direto ao ponto
Que não dão ponto sem nó
E não passam frio
E nem a própria roupa

Sou dessas que decoram detalhes
Que enfeitam olhares
Sou dessas que passam
Mas não passam batido

Definições

"O amor é uma alteração química" - diz a Ciência
"O amor é o sublime do ser humano" - dizem as Artes
Já diz Madame Lola, categórica:
"O amor é um comichão nas partes"
(Já sentiu?)

Pra quem ama

Bom dia pra quem ama pessoas. E fica vulnerável a sofrer quando sofrem. Aos seus humores, erros e caprichos. Mas fica feliz por sua existência e na sua presença.
Bom dia pra quem ama bichos. E cuidar, brincar, ver crescer, aturar cheiros, comportamentos e instintos. E fica feliz por serem mais previsíveis que os humanos.
Bom dia pra quem ama a si mesmo. E tem orgulho de onde está, do que faz e de quem é. Sabe se perdoar por não ser perfeito, mas tenta ofertar o melhor de si pra quem ama.
Bom dia pra quem nada disso. Bom dia pra quem só um pouco.

Sugestão

Questione.
Talvez você seja melhor.
Talvez você seja pior.
Talvez você não seja obrigado.

Na hora das decisões
Que vozes ocultas te sopram
O que é certo
E o errado?
Você tem dúvidas?

Questione.
Talvez o seu caminho
Seja andar na contra-mão
Do que lhe foi ensinado.
O preço você paga sozinho
No final das contas.

Usuário

Quando você usa as pessoas, a primeira pergunta que vem à sua cabeça é "no que conhecer essa pessoa me favorece?".
E tudo o que você faz por ela é considerado um investimento. Seja dar atenção, ajudar em algo, elogiar, o que for.
Na hora de cobrar, vai se frustrar muito se receber um "não", já que investiu tanto. Vai se achar merecedor de tratamento VIP.
Vai gostar de conhecer médicos, advogados, políticos, líderes religiosos. Vai inclusive pedir favores para amigos, não para beneficiá-los, mas para mostrar, vaidosamente, como tem influência entre os poderosos.
Se você usa as pessoas, não vai fazer amor. Vai ter uma performance. A outra pessoa vai se sentir um aparelho de musculação. E você vai se aplaudir e dar tapinhas nas próprias costas, se tiver parecido que foi bom.
Vai jogar migalhas de afeto e dinheiro na direção dos filhos, e cobrar, na velhice, status de pai ou mãe, merecedor de cuidados.
Vai maltratar os pais, e jogar na cara deles que a obrigação deles é de cuidar. Da mãe, de ter amor incondicional, ou que tipo de mulher horrorosa é ela?
Se você usa as pessoas, não demonstra gratidão genuína. O outro existe como meio de chegar a algo, mas não tem espaço como ser humano, merecedor de trocas justas.
Se você usa as pessoas, merece mais é ser sozinho e abandonado, quando for desmascarado.

Hipocrisia

E aí, vc vai na timeline da moça rica, linda e loira e escreve "Deixa de mimimi. Você não sabe nada sobre sofrer! Vai ser pobre pra ver só!".
E quem não sabe é você. Que ela tem uma enxaqueca limitante. E o pai é alcoólatra. E o tio a abusou sexualmente. O irmão já esteve em clínica para dependentes de drogas.
E você se acha superior por não ser racista ou homofóbico. Mas é tão preconceituoso, arrogante e superficial quanto qualquer um que julgue pela aparência.
Ninguém tem obrigação de ser feliz porque você acha que, no lugar dele, você seria. E cada um sabe da sua dor. Respeite.

Ritmo

A vida urge
"Não deixe para amanhã..."
Mil clamores
Para o impulso
A falta de cálculo
E o imediatismo

Consuma
Compre
Ostente
Pra hoje
Só hoje
E já

Não me identifico
Não me seduz
Sou mulher de maratona
Fôlego longo
Compasso de passos
Lento arranque
(E conheço pouca gente que tenha vivido tanto quanto eu)

Luz

A privacidade é desejável e saudável. Não tem por que se expor ao julgamento dos outros em assuntos que não lhes dizem respeito.
Mas se você não sente orgulho do que faz, nem tem uma justificativa honrosa para as suas escolhas, repense se deve continuar agindo assim.
Quem se esconde nas sombras são os piores tipos de animais. Os "bichos escrotos dos esgotos". A dignidade não tem medo da luz.

Cuidado

Cedo aprendi
De quem era a missão
De cuidar de mim
E que as pessoas às vezes
Não me amavam
Tanto quanto eu

Cedo aprendi
Quão útil eu era
Quão descartável
Que os limites
Seriam dados
Por mim

Cedo aprendi
Que na fragilidade da infância
Os covardes fazem banquete
Mas na idade adulta
Manejar uma arma
Vem bem a calhar
(Escolher é armar-se de poder)

Generoso

Ao sentir o seu coração contra o meu ouvido
Eu me lembro de que o momento é único
E nunca dura o tanto que merece

Ao sentir a sua pulsação contra a minha coxa
Eu me lembro das muitas maneiras
Que você conhece de me fazer feliz

Religiosa

Sou da religião dos que vivem sabendo que não sabem o que fazem
E vão rezando pra no final tudo dar certo
Que acham que todo mundo tem um demônio maior ou menor dentro de si, esperando ser liberto para surtar
E um pedaço do Paraíso está escondido só dentro dos que amam
Dos que não conhecem ninguém que mereça o Céu
E não mandaria um ser humano para o Inferno, a não ser com palavras
Que acham que a Bíblia é um livro muito mais político do que sagrado
Mas gostam de uma passagem ou outra, e escolhem acreditar, para o conforto da alma
Que acreditam que não é pecado, se não trouxer prejuízo
(E muito menos entre adultos consentindo)
E não é virtude se não houver nobreza na intenção
Mas mesmo as definições de "prejuízo" e "nobreza" lhe são tão borradas e imperfeitas quanto as almas, criadas "à semelhança", mas não exatamente xerocadas
Sou da religião dos que amam torto, mas no máximo de sua capacidade
E pedem por justiça muito mais do que por clemência

Não tenho

Não tenho saudades
De esperar o seu comando
Nem de ser a primeira a saber dos problemas
Que acabariam sendo meus

Não tenho saudades
De nada poder decidir sozinha
E ser a última opinião solicitada
Depois da decisão já tomada

Não tenho saudades
De pagar a conta do supermercado
E lavar a louça
Sendo criticada por não cozinhar

Saudade nenhuma de você

Frustração

Ele é puro
E doce
E bem intencionado
Seu único pecado
É a vaidade
"Olha pra mim!"
"Olha pra mim!"

E eu nem sou
Uma má pessoa
Apenas mais criativa
Quanto a possibilidades
E seguimos no seu rumo
Muita troca de carinho
Nenhuma de fluidos

Para o Abdo

Um lobo
Me pede poesia
Lá da estepe

Não sabe

Que eu não sei do uivo
Que eu não sei da lua
Que a minha alcateia é outra

Um lobo
Tem sede
Do meu sangue

Não sabe

Que invejo sua liberdade
E seu jeito de escrever
E que enveneno quem me bebe

Inevitável

Muito antes de eu cheirar o seu cabelo
O vento já tinha soprado
Seu perfume em minhas narinas

Muito antes de provar o seu beijo
O meu santo e o seu
Traquinavam um encontro

Muito antes de eu dizer "não"
Nossos corpos já tinham dito
"Estão adiando por quê?"

(Eu sabia que você não decepcionaria)

Doce

Eu quero a sede infinita
Pra matar na sua boca
E toda hipoglicemia
Pra lamber o doce do seu corpo

Eu quero todos os truques do seu livro
Decorar o formato do seu umbigo
Fantasiar que você é meu

Eu quero uma noite memorável
Uma paixão bem instável
Devolvê-lo ao que é seu

One Night Stand

Eram um homem
E uma mulher
Ela toda pronta
Ele faz-de-conta

Uma atriz
E um doutor
Ela aprendiz
Ele professor

Um ateu
E uma à toa
Ela: "adeus"
Ele: "numa boa"

Fingimento

A gente faz que morre
Porque vai aos socos
Porque nunca é súbita
A morte do amor

A gente faz que morre
Porque a garganta trava
No estômago queima a lava
Do amor que se acabou

A gente faz que morre
Mas o corpo sobrevive
E o coração teima
Em pulsar a sua dor

Estilo

Tão acostumada com o "posso?"
Bem que eu estranhei o "pede"
Mas foi tão divertido quanto...

Luis

Eu gosto é da história.
O meu filho Luis teve que tirar o rim direito, devido a um defeito de nascença que não se manifestou até os cinco anos de idade. Durante esse tempo, eu não trabalhei, ou foi só meio período, então fui poupada de me sentir culpada por não diagnosticar antes.
Assim que eu soube, chorei muito, o medo comum da anestesia. Só mudei de atitude quando o pai dele falou "você está me assustando!".
Eu me lembro dele entrando no centro cirúrgico. Eu na sala de espera, bordando em ponto-cruz. No pós-operatório, eu colocava os pés dele em cima dos meus, e a gente ria dizendo que éramos "Marcha dos Pinguins". Nos entupimos de pudim de baunilha, e ele descobriu que adora ficar sozinho comigo. Tenho foto dele assistindo TV em casa, de ponta cabeça, com o curativo cirúrgico ainda lá. Foi mais tranquilo do que esperávamos.
Hoje, ele brinca com os amigos sobre o assunto. Os meninos perguntam se eu posso adotá-los, eu digo que ficar disponível pra doar rim é pré-requisito pra entrar pra família.
E essa é uma das minhas histórias preferidas. O vínculo amoroso que se fortalece em momentos difíceis. O meu maior medo, desde criancinha, sempre foi chorar a morte de um filho (vai entender). Mas tudo correu muito bem. E eu posso empatizar melhor com os familiares dos meus pacientes. E o moleque segue firme e forte, tomando refrigerante com açúcar. Mas só de fim-de-semana, que a mãe não é tão permissiva assim...

Passado

Amei
Amei, sim
Amei fundo
E firme
E doído

Quis
Quis, sim
Quis eterno
E a quase
Qualquer custo

(Seu azar foi o "quase"...)

Terças

Às terças, sua ausência acorda comigo
E vejo seus olhos no espelho
Enquanto escovo os dentes
Num dia de azar, dou de cara com seus manuscritos
Num dia de sorte, dou conta de tudo sozinha

Às terças, você senta comigo no café
Aponta com o queixo o celular que nunca mais tocou a sua música
E as revistas que não faz mais sentido serem folheadas
Num dia de sorte, eu seguro as lágrimas
Num dia de azar, eu lembro que o amor é necessário

Às terças, antes de dormir, você me abraça
Sopra o meu cabelo e me rouba um beijo
E eu me pergunto por que ainda não arranjaram trabalho pra você no Céu
Numa noite de sorte, eu durmo em paz
Numa noite de azar, sonho com você

Sobre o Tetê

Não sei escrever sobre a morte
Mas sei chorá-la como poucos
Talvez seja prova de pouca fé
Talvez seja excesso de amor à vida
(Com o sofrimento, lido bem)

Novo

Tem coisa que vale a pena
A espera
E a insônia

Tem plano sem cabimento
Sem juízo
É de momento

Tem gente que vale o risco
Vale o riso
Paraíso

Os Leitão

E por falar em família...
Reza a lenda que alguma antepassada minha (detalhes maiores podem ser dados e contestados pelos primos) deu a luz a sete bebês, ao mesmo tempo. Seis não conseguiram sobreviver, e foram colocados em uma forma de bolo, um do ladinho do outro (que imagem deprimente!), e pareciam leitõezinhos. Ou seja: em Águas de Lindóia, todos os meus parentes são chamados de "Leitão", no lugar do sobrenome.
Prazer. Arlete Leitão, filha do Zé Leitão (que no resto do país é chamado de - adivinha? - Zé Lindóia).

Maldade

Cruel seria Deus
Me exigir perfeição
Criar você e eu
E o tesão
(E depois me atar as mãos)

Nudes

Nudes

A gente expõe o que quer, quando quer, como quer, pra quem quer, se quer. Mas não sem consequências. Nem sempre as esperadas.
Um espera discrição. Afinal, eu sou médica. Outro espera total conforto com o corpo humano nu. Afinal, eu sou médica.
Um acha que por eu estar solteira, poder e (talvez) querer os olhares masculinos, eu deveria mostrar mais pele. Outro gargalha porque, durante um movimento de dança, conseguiu ver "um coxão".
Mas a nudez que mais expõe é a da alma. Aquela que "é erótica", segundo Adélia Prado. Ser transparente, leal a si mesma e não mentir é a verdadeira exposição. Que não é julgada tão prontamente, mas também não passa em branco. E nem todos querem ver.

Pé na Estrada

Hoje vou me dar de presente a sua presença
E pro meu enlevo a sua voz
Pra minha sede os seus gostos
Pro meu delírio o seu cheiro

Hoje você me brinda com a sua atenção
E o meu mundo pára pra eu ser feliz
E viver o que há tanto tempo quis
Hoje eu o levo pro céu

Encanto

No canto do teu olhar

Minha chegada

Te alegra um tanto


Eu canto pra te buscar

Um arrepio

Um desejo

Um encanto


Um sinal de cabeça

Um par

Num canto


A vinda

O perfume

O segredo

A vida

Num espanto

Pedido

Se vier, venha sem pressa
Banquete não se vende em drive thru
Não tenho talher de plástico
Meus temperos não vêm em saquinhos

Se vier, venha sem pressa
Posso te ensinar um truque ou dois
Venha sem planos, nunca se sabe
O que vamos querer depois

Se vier, venha sem pressa
Porque fico de olhos fechados
E eu quero tempo para poder
Decorar o seu rosto perfeito